A xícara de chá
O que você tem para contar?, foi o que Teresa se perguntou enquanto tomava uma xícara de chá pela manhã.
Pegou o pequeno caderno de anotações e pensou em começar a escrever o que supostamente tinha para contar, mas por algum motivo, a ponta da caneta se recusava a tocar o papel, se negava a traçar as curvas de sua letra cursiva. Ela sabia que tinha o que contar, mas de repente parecia não saber externalizar, colocar em palavras. Talvez porque as palavras vivessem perfeitamente dentro dela e não quisessem ser despejadas de seu lar. Ou talvez porque trazê-las à tona fosse penoso demais para o eu. Então resolveu desenhar, ainda que suas habilidades artísticas fossem bastante limitadas. Começou desenhando um espelho, grande e oval. Imaginou uma moldura dourada para ele. Refletida na superfície lisa, desenhou uma cabeça, apenas uma cabeça, sem corpo, suporte ou sustentação. Ao lado do desenho anotou a palavra flutuar. Porém, após um breve momento, percebeu que dali não sairia mais nada. Fechou o caderno e voltou a se concentrar em sua bebida.
Olhando para dentro da xícara, conseguia ver o reflexo de seu rosto. Apenas seu rosto, flutuando sobre o líquido de cor terra clara. Enquanto levava o chá à boca, contemplava a vista da janela. O que você tem para contar? Sentia que as palavras se corroíam dentro dela — se corroíam e a corroíam. Como dizer o que parece ser indizível? Como fazer emergir o que parece querer ficar submerso, flutuando nas profundezas da mente?, era o que se questionava.
O recipiente que segurava com as duas mãos agora estava vazio, e soltando-o sobre a mesa, se levantou para ferver mais água. Minutos depois, enquanto se servia, sem querer derrubou água fervente sobre as folhas do caderno. No intuito de salvar o desenho, de maneira desafortunada, acabou esbarrando a mão na xícara de chá. O objeto de cerâmica inevitavelmente se espatifou no chão, partido em pedaços. Pedaços que à primeira vista pareciam impossíveis de se colar. Pensou na técnica milenar do Kintsugi, a arte japonesa de restauração. De repente, foi tomada por uma sensação de êxtase. Teve o pressentimento de que a caneta não se recusaria a tocar o papel dessa vez, porque ela sabia o que tinha para contar: ela era a xícara de chá.
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SOBRE A AUTORA
Natural de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, é bacharel em psicologia pela UFMS (2015). Atualmente é discente do curso de Letras-Inglês na UTFPR, e atua como revisora de texto independente. Entre seus principais interesses estão a literatura produzida por mulheres, estudos feministas, linguagens e arte de maneira geral. A paixão pela literatura abriu caminho para a escrita literária, na qual encontrou, por meio das palavras, vazão e um novo sentido de vida. Em 2020 começou a publicar ensaios, resenhas e crônicas em seu perfil pessoal no medium (@souzayona). Recentemente, também tem se aventurado publicando seus contos na mesma plataforma.
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