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Foto do escritorRevista Trajanos

ANIMALIA, POEMA INÉDITO DE CLARISSA COMIN



ANIMALIA


espeta a areia e faz C



sinuoso, o S. põe os olhos pra fora

traços de minhoca traços de cobra

e inventa um jeito de fazer-me isca

torno-me sereia, lisa


abocanho o ferro frio e sento na borda

de sua pele que me enrola

plástica-mola

e puxa para fora do C






penso logo desisto


no banho nada me escapa

através do vidro vejo

em nudez desconhecida

língua de lixa

seu banho a seco


de pé e nua

fico cor de rosa

sua língua

quando seus olhos em mim estacam

deitado em pelos


sobre a tampa da privada

ignora as fezes envasadas

pra que tanta água?

e faz do trono-porcelanato sua banheira de rei







fábula I


focinho longo passeia tubulações esgotos

corre cauda

dentes pontiagudos

e chega ao pegajoso cimento do desejo

que lhe é em tudo alheio


de lá contempla as uvas

sumarentas de julia embora

inverno não seja o tempo delas

ele se arrisca

peste

e espera

bagaços lixo um beijo na testa

não tenha pena, não te interessa se bebo água de barrela

pois no rio cinza cabem as fezes eu e ela







fábula II


no começo as uvas de julia eram cimento

e o leão presas e garras bocejava quando

ela trazia os cachos na saia rodada

oferecendo

quer não quer tem quem coma!


depois o leão abaixou a cauda deitou a juba

embaixo das patas espreitava

com olhar de esponja

en char

caaaaaawrrr

do

as suculentas e roxas uvas de julia








curupacto



exuberância de vulgar majestade

você presa eu predadora

felina juba linda

perdeu o trono

– quem te viu? quem te vê? quem ti vi!


canta arara

canta galo

canta pombo

– quem te viu? quem te vê? quem ti vi!


índigo bandeira ouro

penas plumas cocar de bolinhas

reconheço pelo remelexo bucho de galinha

persigo teus rastros através da treliça.


gira olho abre alas bate perna

curupaco

e murmura pro meu lado

– te proponho um pacto!


voa asa

voa pata

infla o peito


azul misterioso

curupacto

pra você

tiro o chapéu

passo fome

recibo

e te dou os meus biscoitos





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SOBRE A AUTORA



Clarissa Comin nasceu em Fortaleza e mora em Curitiba. É doutora em Estudos Literários (UFPR) e pesquisa literatura brasileira contemporânea. Atualmente é redatora e revisora. Tem diversos poemas e traduções publicados em antologias e revistas acadêmicas. Seus dois livros são vasto trovarr (2019), uma novela autobiográfica, e nebulosas (2020), um volume de cont

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