Por Bárbara Martins
Ainda vão me matar numa rua.
Quando descobrirem,
principalmente,
que faço parte dessa gente
que pensa que a rua
é a parte principal da cidade.
(Paulo Leminski)
Infelizmente não tive a oportunidade de ver de perto o tal poeta-artista, tão falado entre as bolhas literárias de Curitiba, Marcelo de Angelis. O conheci pela forma mais comum, sua poesia publicada postumamente pela editora Kotter em 2019. O artista nos deixou cedo, mas deixou memórias fortes aos mais chegados, histórias aos leitores e claro, poesia necessária.
O livro Cidade de Curitibas não poderia ter título melhor, pois é exatamente sobre isso que se trata: as várias faces desta cidade. Os poemas são viagens pelas muitas curitibas. Tem uma Curitiba “que é tua, outra que é minha’, “uma que bate panela e no shopping definha, outra que debate filosofia e na militância se alinha”. Há ainda a que “escancara” e “outra que esconjura”.
“CURITIBAS MESMO SÃO MUITAS,
EU POUCO”.
Encontro nesse livro um poeta que se aventura em andanças pela cidade e a observa. Observa a velha no Passeio Público, as estações tubos, o andarilho nas ruas do Bigorrilho, os vizinhos de prosa, a moça com seu sapatinho de salto, os costumes dos curitibanos que se dizem frios, mas na verdade acabam mornos e claro, o inconfundível carro do sonho “olha aí freguesia é o carro do sonho que está passando...”.
Sendo estes poemas caminhadas pelas curitibas adentro, uma hora ou outra, sabia que encontraria a Curitiba de Leminski e a de Trevisan. Tanto um quanto o outro são personagens e ao mesmo tempo o próprio estilo de composição de alguns poemas.
“CURITIBA
TEU VAMPIRO LITERATO
ASSUSTA MENOS
QUE TEUS JOVENS ILETRADOS”.
Olhar para essas curitibas é olhar para cidade sorriso, “cidade linda e amorosa” e enxergar a friaca da desigualdade embaixo das marquises e entre as portas das vielas. É também olhar para a seriedade do curitibano e perceber a pluralidade ignorada. De Angelis consegue retratar muito bem isso em seus poemas.
O poeta que deixou essas curitibas, foi aquele que nas palavras de Leminski, se chama “necessidade orgânica da sociedade”. Essa poética urbana de Marcelo de Angelis, escancara a multifacetada cidade construída por pessoas, e pessoas constituídas pela cidade. Também mostra as contradições daquilo que é urbano, os perigos de se conhecer uma história única da cidade.
É uma pena não poder saber o que estaríamos lendo desse artista, se ainda estivesse por aqui. No entanto, por essas observações e outras ainda não feitas, recomendo fortemente a leitura de Cidade de Curitibas, do saudoso poeta urbano.
LIVRO
Cidade de Curitibas, Marcelo de Angelis. Kotter Editorial, 2019. 96 p.
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