Por Clara Bordinião
“atenção:
t u d o a q u i é p r i m e i r a m ã o”
versos de Alquimista na chuva, de Assionara Souza.
Em um tempo que não existia Clara Bordinião, nem Café com Poesia e a sede da Esc. Escola de Escrita ficava na Rua Riachuelo, com seus leões no alto do prédio, no seu terraço, eu conheci uma mulher montando boxes de livros. Eu e minha mochila pesada a ajudamos a montar os boxes entre alguns silêncios e algumas palavras soltas (eu ainda era muito tímida). Nessa troca de silêncios e tentativas de conversa, descobrimos algumas pessoas em comum, como aquela amiga professora da qual eu sinto muitas saudades. Nisso, ganhei dois conjuntos desse box de quatro livros, um projeto dela com os irmãos Tizzot publicado pela Arte & Letra.
Era início de 2016, um ano antes da publicação, pela editora Kotter, de Alquimista na chuva, um livro que namorei comprar desde 2018 e só fui ter em 2021, depois de ter também meus poemas publicados na Kotter. E eu sinto que poderia ter conhecido ela melhor, ter trocado mais ideais, mais poemas, mais leituras, enfim, queria ter convivido mais com a Assionara.
Alquimista na Chuva me fez conhecer uma Nara (se é que eu já posso tomar essa intimidade da amizade) que me sensibilizou e fez com que eu me reconhecesse naqueles versos, naquela liberdade de ser quem se é. Entender da sua poesia diálogo com Maiakóvski, e entrar nessa conversa como sua leitora. Tomei para mim que eu preciso fazer com que esse livro conheça outros leitores, que outras pessoas conheçam a Nara que eu conheci. E por isso essa homenagem, por isso o meu agradecimento pela sua fala naquela noite de verão no terraço da Esc. e depois na sala da Esc., porque no verão costuma chover à noite. E a chuva pelo jeito nunca foi um problema para você.
“a poesia me alegra
ma non tropo
a poesia
me contenta
me embala
me arrebenta com os miasmas
a poesia me ama
cumpre o seu propósito
carma atropelado nas estraçalhadas linhas
a poesia sempre me quis
kiss me
a poesia sempre me
kills me
desde a tensa idade”
(Alquimista na Chuva, p. 29.)
São desses encontros entre Assionara Souza e poesia que se trata seu único livro de poemas, são flertes, amorosos, diálogos sobre o mundo. Sua poética vai além da sala de casa, segue a rua e trilha caminhos que qualquer pessoa pode caminhar. Seus olhos cão captam, a poeta é antena da sua sociedade (brincando um pouco com o que Ezra Pound diz: que o poeta é a antena da raça). E que sorte temos, por esse único livro de poemas de Assionara Souza. Quem mais seria capaz de conversar com Maiakovski, nos despir sem nos conhecer, tirar Gertrude Stein para dançar, convidar Ezra Pound, Hilda Hilst e Mariana Alcoforado para a sua poética.
Além do único livro de poesia, Assionara Souza publicou em vida outros quatro livros em prosa, Cecília não é um cachimbo (2005); Amanhãs com sorvete (2010); Os hábitos e os monges (2011) e Na rua: a caminho do circo (2014).
Assionara Souza faleceu em 2018 em decorrência de um câncer.
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