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Foto do escritorRevista Trajanos

CANÇÃO DO DIABO, UM POEMA DE MARCO AURÉLIO DE SOUZA


Aqui, um dia, neste parque,

Estava eu a ruminar,

Entediado, de tudo farto,

Com meu cigarro, a fumar


O vento penetrante uivava

Com silvos quase guturais

Enquanto alheio eu meditava

Sobre o que não queria mais


Esta vidinha proletária,

Vida cruel e desgraçada,

Esta vidinha de operário

De acordar cedo para nada


Eu planejava um gesto breve

Para encurtar o meu porvir

Quando de leve, pois, de leve

Ouvi sua voz me auferir


‘Meu mano, prove desse fumo’

E me passou o seu basi

Que traguei fundo e agradeci

Sentindo enfim um novo rumo


O parque todo iluminou-se

Mas cuma claridade tal

Que julguei mesmo dia fosse

– eis que o cigarro era cabral!


O mano percebeu meu grilo

Então sorriu e disse assim

‘Fique de boas, é tranquilo

Fumar com beque, vai por mim’


Tomado inteiro por tal baque

Tive um surto alucinante

Crendo-me à posição dum vate

Ou de alguma cartomante


O meu futuro então eu vi

Era tão belo, acachapante,

Que a pedrinha do basi

Tratei qual fosse diamante


Tirei do bolso dez reais

E disse ‘amigo, dê-me outro

Deste cigarro. Um foi pouco.

Deste augúrio eu quero mais’


E desde então não desisti

Deste milagre, o meu futuro

Que encontrei neste rubi

Por dentro sendo o mais puro


E quem o mano do Passeio

Que me vendeu daquela vez?

Julgo que fosse alguém tão feio

Que à mente eu deletei sua tez


Foi Satanás? O que me importa

Se sua oferta eu aceitei?

E ao seu chamado eu abro a porta


Dizendo venha, ó, meu rei...



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SOBRE O AUTOR


Marco Aurélio de Souza (Rio Negro/PR, 1989) é autor dos livros Desarranjo (romance, 2020), Assombro Zen (poemas, 2020), Os touros de Basã (contos, 2019), Anjo Voraz (Prêmio Benfazeja, poemas, 2018), Travessia (poemas, 2017), Conexões Perigosas (romance, 2014) e O Intruso (romance, 2013). Publicado em diversos periódicos e antologias, com destaque para a coletânea de jovens contistas 15 formas breves, editada pela Biblioteca Pública do Paraná. Doutor em Estudos Literários pela UFPR, atualmente, atua como professor de história na rede pública de educação. Edita o selo Olaria Cartonera e mantém a página de crítica de poesia contemporânea O Pulso – decálogos sobre a poesia viva. Vive em Ponta Grossa/PR.

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