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Foto do escritorRevista Trajanos

Dois contos de Kátia Surreal


Maçã no escuro


Escorre o suco da maçã mordida, enquanto o escuro do fim de tarde se disfarça de outono em tinta.

Estamos na copa, que é o espaço intermediário entre a gula e a fugacidade da sala. Recebo-te e te concebo entre os meus seios, que sentem, como fruta mordida, o gozo da degustação rasgada à última partícula. O instante se contorna em preto e branco, numa tela de TV semitravada, parada na mesma página amaldiçoada da cena que não traduzo...

A maçã que mordiscas, alisas e sugas tem a digestão da fruta que despenca e se configura nas mãos atentas do pintor que capta, no escuro, o sumo.

Toda maçã gravita a um destino digestório, mas a maçã no escuro tem um relógio, que transita do sussurro ao urro no fim do orgasmo.

Sobre a mesa agora, restam húmus e uma faca que nunca enferruja: a natureza-morta se aviva na dor de um quadro esquecido na parede da copa, perto donde a cópula foi cooptada em corante coagulante, num fim de tarde disfarçado de outono.

À janela, bem diante da mesa, sombras teatrais se formam no tango das cortinas. Thánatos, portanto, encerra o ato em preto e branco, enquanto Eros condiciona a vida ao trágico colorido, que renasce dia após dia das meias-maçãs das serras...



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Maria vai com as outras


Ela nada tem de boba. Maria vai com as outras. À lua, às ruas, à luta. Sisuda, Maria não age sozinha. É sempre co’as amigas. Sábia, Maria logo saca: a vitória só se dá se for unida. Menina aguerrida.


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SOBRE A AUTORA


Kátia de Souza Nascimento, nome artístico Kátia Surreal, é carioca, vive em Niterói (RJ), mamãe da gata Bibi, militante da Esquerda Marxista (CMI), puladora de corda, amante da natureza, professora, poeta, ficcionista e cronista. Tem espalhado poesias em diversas partes, destacando-se a publicação de seu livro Gradações hiperbólicas (2021), pela editora Brunsmarck, o blog Fugere ad Fictem (2014), além de ter recebido o Prêmio Conceição Evaristo de Literatura da Mulher Negra (2022), e ter se tornado membro vitalício da Academia Independente de Letras (AIL), em 2020, passando a ocupar a cadeira número 155: Surrealidade. Além disso, tem publicação internacional de seis poemas inéditos traduzidos por ela própria: Extensión de la casa, na revista venezuelana Letralia: Tierra de Letras, em 2 de maio de 2022 (https://letralia.com/letras/poesialetralia/2022/05/02/extension-de-la-casa/).

Sua formação é em Letras (UFRJ, UFF e Uerj) e a sua rede social artística é: @katiasurreal_, onde publica textos literários diversos, com temas e formas variados.

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