A MULHER SENTIU RECEIO
Um medo do tempo.
Depois uma saudade do passado.
Numa manhã doente de nostalgia
Enfrentou.
Ali estava a dor.
E os amores também.
O suspiro doce, cálido, cândido.
Aquela caixa amarelada deu lugar a sentimentos
Formatos de rostos
Corpos grandes e pequenos
Risada soltas e presas
Lágrimas espalhadas em cada ponto
Em todos os cantos, tantos encantos. Contos.
Versos
Antes aflitos, depois em êxtases.
Ternura e rimas em um só lugar.
Numa caixa envelhecida pelo espaço.
Mulheres espelhadas em sol e luar
Para a vida não cair no esquecimento.
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RESTOS DE MIM
O que restou de mim
Senão o sol tardio da manhã namorando meu corpo nu exposto no meu colchão descobrindo minhas costas largas entre a cama e a janela queimando minhas pernas quando eu viro de lado
O que restou de mim
Senão um banho ardente no curto espaço do lavabo e o escovar dos dentes ainda meus E o hidratante espalhado na minha pele molhada pra reforçar o valor
O que restou de mim
Além do café descendo a garganta e o sabor da erva doce do bolo de fubá ciumento pelo meu degustar frenético do pão de queijo corriqueiro da vida O que restou de mim
Senão a estranheza dessa vida nova e velha. Vela e sopro
Diante da minha imagem no espelho pequeno que mal cabe algumas estranhezas Recordo-me. Eu roqueira eu a moça que um dia gozou.
O que restou de mim senão o amor à dor o marasmo o silêncio as lágrimas invisíveis No imenso circuito depois do nada
Para emoldurar meu resto
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SONHOS E PERDAS
O sol atravessou a janela e o cheiro do café exalava o amanhecer.
Vitória tinha dezessete anos e era o tempo em rascunho. A adolescente morava com o pai desde os quatro anos de idade. Antônio era pedreiro e educava a filha bordando o enigma do jeito que a vida o ensinava. Nunca escondeu debaixo do tapete a verdade sobre a separação.
Vitória e o pai moravam num barraco desde que a mãe optou em não terminar de criar a filha. Vilma foi embora com o novo amor. Preferiu assim.
Trabalhando de pedreiro, o dinheiro mensal apertava aqui e ali.
Na casa simples, Antônio e Vitória inventavam um castelo.
Numa quinta – feira algo puxou o costumeiro diálogo.
_ Que tristeza é essa no olhar? Eu te conheço...
- Nada. Deixa pra lá.
Sim. Tanta coisa que nem a garota consegue explicar.
À noite eles mal se viam. Um corre-corre daqueles. Vitória ia do trabalho para a escola e chegava tarde. Nunca sem tempo de ganhar um jantarzinho caprichado.
Antes de dormir, uma conversa rápida seguida de um beijo de boa noite...
_ Bom dia pai!
_ Bom dia. Que animação é essa?
_ Pai, se liga. Depois do trampo, escola e balada! Hoje é sexta – feira. Eu tomo cuidado pai. Vai ser na casa da Maria. Já pensamos em tudo. A casa da Maria é meio pequena, mas retirando uns móveis, dá pra gente dançar.
O pai seguiu para o trabalho. Meio preocupado. Havia algo que não dava liga no coração do pai de adolescente...
Colocando os tijolos na casa que estava construindo, sem perceber, Antônio voltou os pensamentos para a filha. Lembrou – se dos treze anos criando a filha. Sozinho com uma menina para dar conta de educar.
_ E agora? Pensava o pai. O que Vitória sentia? Será que tinha acontecido um momento desses. Desses... É, será que a filha ainda era virgem? Vitória não deveria ser diferente das outras meninas que tinham dezessete anos. Antônio esperou pela filha. Dormiu tomado pelo cansaço... Num canto de uma rua, Vitória foi silenciada por um desconhecido. _ Vem gostosa. Vem! ... Na casa de Vitória, uma omelete esfriou. Ela chegou. Chorou lavando o corpo e os sonhos perdidos.
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SOBRE A AUTORA
Sandra Modesto tem 60 anos. Nasceu e mora em Ituiutaba, MG. Graduada em Letras, pós-graduada em Educação, professora aposentada. Autora dos livros “Tudo em mim é prosa e rima” (Editora Autografia) e “Acenda a Luz” (Editora Kazuá). Textos incluídos em cinco antologias: Antologia Elas e as letras- Diversidade e resistência, editora Versejar, 2019. Antologia Ruínas- Editora Patuá, 2020. Antologia- Parem as máquinas- Selo Off Flip, 2020. Antologia- Prêmio Selo Off Flip, 2021. Antologia- Corvo Literário, 2021. Publicações em revistas digitais e impressa: LITERALIVRE, Ruído Manifesto, Araras, Torquato. Philos: Digital e impressa. É membro do coletivo Mulherio das Letras, nacional. Cronista do site- Crônica do Dia. Escritora no site- CORVO LITERÁRIO. Considera-se uma aprendiz da vida.
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