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Duas vezes Flora Figueiredo

Por Renata C. L. Miccelli

Quero ficar só,

para respirar a estrela

[...]

Pra recompor a vida,

pra renascer o afeto,

pra retomar o rumo.

(Flora Figueiredo)


Uma vez, nesta coluna, apresentei Flora Figueiredo. Desta vez, retomo-a. Não por mera repetição, nem por falta de tempo. Retomo-a por, em um lampejo de segundo, encontrar, em sua poesia, um rumo.

Florescência nasceu em 1977, sendo editado apenas em 87. Calçada de verão, por sua vez, “veio no embalo do sucesso de Florescência”, florescendo em 1989.

Fico encantada ao me deparar com a emoção, a leveza, o ritmo, as cores das palavras precisas de Flora nesses livros, palavras de poemas rotineiros cercados e emaranhados de sentimento. Torna-se desconcertante, emocionante, revigorante lê-la.

A paulista, em sua simplicidade linguística, resgata, no cotidiano, poemas que nos tocam, nos deslumbram. Ela tira “a trave”, limpa “a treva”, faz “a trova”.

Como diz Olavo Drummond, no prefácio de Florescência, a poetisa traz versos que “tem o encantamento das mensagens simples. Vislumbra o cotidiano sem pincelar as palavras na paleta do lugar-comum”.


“Tornei-me poeta,
por ser a maneira mais direta
de falar de amor”

Com um estilo único e encantador, vemos que “no final do poema sempre repousa uma mensagem de impacto, desconcertante”.

Uma mensagem que nos recompõe.

Nos faz renascer, reflorescer.

Flora nos colhe cadente, nos alimenta, nos renova a estrada “pra que nada atrapalhe” nosso cenário, “e num gesto ardente e humanitário”, nos revigora (poema “Renascimento”).

Das sementes que espalhou, colhe a felicidade, supera a infelicidade e semeia o amor.

Ah, o amor.

Indaguei em algum de meus textos: o que é ser poeta? Para ela, a resposta é simples e direta: “Tornei-me poeta, por ser a maneira mais direta de falar de amor”. E, em um mundo complexo, distante, difuso, agoniante, seriam os poetas os únicos a entenderem que amar é preciso?

Seria amar muito mais que um verbo intransitivo?

“Amar é tomar a quietude indivisível”. Amar é “romper hoje o dia com um grito que ultrapasse a névoa amanhecente”. Amar é entender que, às vezes, é preciso mudar e anunciar que “reformei ontem meu coração e o deixei quase vazio”.

É esperar que, por fim, “a esperança possa dançar seus passos novamente”, entendendo que “num compasso de cansaço e frustração”, vamos “carregando agora a sensação de finitude”, pois tudo é finito.


Tudo é finito.

Então, deveríamos simplesmente seguir os conselhos deixados por nossa poeta: “segura o beijo antes que acabe, que o amor desabe, que a aurora canse. A vida tem nuances não entendidas”. Antes que ela “se desloque, desapareça, desencante [...] desaconteça”, vive. Beba desse instante.

Nessas reflexões, nesses empasses, nesses reflexos, lemo-nos na poesia de Figueiredo. Poesias que, ainda bem, não foram guardadas no fundo da gaveta.

Poemas que, lá no fundo, refletem o que carregamos diariamente no peito. A saudade, o medo, o desejo, a plenitude, o desconcerto.

A ideia de que, “pra poder interpretar o seu enredo” e preencher “um lugar sobrando à mesa”, é preciso desmanchar “o nó”, tirar a “ferrugem”, uma vez que “não vale entrar na vida de mansinho; tem-se que vibrar intensamente, ainda que te custe uma palpitação”.

Ainda que te custe um bom e velho poema.


Livros


Flora Figueiredo. Florescência. 2. ed. São Paulo: Novo Século, 2010. 70 p.

Flora Figueiredo. Calçada de Verão. 2. ed. São Paulo: Novo Século, 2010. 86 p.

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