Por Bruno Everton
A obra, Dias de abandono, assinada por Elena Ferrante é, sobretudo, um “épico” feminino em que há busca pela redenção e reconquista do corpo e mente da narradora-personagem, após uma fria e trágica separação de seu marido. O que, depois vai levar a cruéis descobertas e desafios para lidar com.
Fazendo uso de uma narrativa intimista em primeira pessoa e explorando ao máximo o jogo temporal entre passado-presente em sua narrativa, a autora consegue dar voz de forma majestosa à uma mulher abandonada, Olga, usando de uma intensidade peculiar a ponto de o leitor estabelecer um relacionamento de amor e ódio com essa mulher napolitana que fora abandonada pelo marido, trocando-a por uma mulher mais nova.
O livro acaba entregando um quadro artístico com pinceladas de psicanálise freudiana, pois nele, é perceptível os estados de luto e melancolia da personagem a partir da narrativa de seu cotidiano após ser abandonada e ter que enfrentar diariamente a ausência de seu ex-marido, e vê-lo seguir adiante, enquanto ela se afoga na dor e na incompreensão de ter sido sentenciada a esse destino. É por meio dessa narradora-personagem que fica claro o momento em que ela se coloca como próprio alvo de sua pulsão de morte (tornando-se vítima de sua própria agressividade), uma vez que seu objeto de desejo já não está mais ao seu alcance (nesse caso, o seu marido), e assim projeta contra si mesma todo seu ódio e rancor. No entanto, no momento em que essa pulsão é satisfeita, torna-se notável a sua mudança de comportamento, permitindo, então, a sua redenção, assim como libertar-se das amarras de seu encosto, que se faz com matéria por meio da presença do fantasma da mulher abandonada que a assombra desde a sua infância. Assim, ela consegue se livrar das amarras do que sentia pelo seu ex-marido, inclusive, valendo-se de um impulso para ter uma relação sexual casual com um vizinho seu.
Com isso, a obra é um representante de peso para a literatura feminista, por ser escrita, protagonizada e representada por mulheres, afinal, apresenta um retrato intimista que se faz presente na realidade de muitas mulheres que são objetificadas pelos seus respectivos parceiros e, ao envelhecerem, são descartadas e trocadas por outras mais novas. Assim, a narrativa, ao se debruçar sobre a realidade de uma mulher que luta contra si mesma ao longo de seus dias de abandono, buscando manter sua promessa de infância, que é a de nunca se ver como a pobre mulher abandonada, estabelece o diálogo necessário para se fazer cada vez mais presente e representativa. Assim como se faz provocativo, devido ao que é narrado poder suscitar questões sobre a representatividade, relacionamentos (extra)conjugais e o papel da mulher, inclusive nos dias atuais.
Livro
Dias de abandono, Elena Ferrante. 1. ed. Biblioteca Azul, 2016. 184 p.
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