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Foto do escritorRevista Trajanos

Heart-Shaped Box, um conto de Daniel Rodas


Heart-Shaped Box



Nem todas as mulheres amam. Algumas preferem dormir. Como eu. Num colchão alugado ou numa casa própria. Comprada pelo suor que não vem das coxas. Enfim. Nunca amei. Não do jeito convencional das velhinhas de sessenta. Nem das meninas de quinze colecionando recortes. Tive amores distintos. Nômades. Algo viscerais debaixo das calças. Isso. Gostava de calças marrons e camisas coladas. Não importa se de homem ou mulher. A camisa ou o corpo. De puta? Dizer isso. Ninguém falou mas pude inferir. Do sorriso azedo da minha mãe. Quando o pai morreu e fugi de casa. Das cobranças. Das saídas. E de um casamento quase obrigatório. Lista marcada pelo sucesso da família. Sua prima já tem dois filhos! Cinco abortos. E estresse pós-traumático. Perfeito. Além de um marido que só masca chiclete. Tomando Skol ao som do Brasileirão. Eu não! Queria? Um amor duradouro. Que durasse o ouro de um instante e passasse. Fim de semana intenso. Noite de calor na bruma. Um cinema. Não? Uma foda. Sim? Só isso. Pois o que tive aqui e ali foram. Umas boas camas-de-gato. Enroscadas nos pelos. Bolagato. Isso. Muito bom. Eu não! A luminária da sala. Incendiando os olhos daquela moça de cabelo. Rosa. Acho. Pintado. Numa festa da firma onde trabalhei por dois anos. Depois da chuva. Conversa mole. Fomos em casa onde tudo foi duro. Amor. Em seguida um gato. Encontrado na rua. Com a pata quebrada que criei até morrer. Amor. E os poemas escritos. Centenas deles sobre temas políticos. Publicados em revistas. Justiça social. Amor. Uma caixa vermelha. Heart-Shaped Box. Nirvana. Soando na noite em que dormi de bruços. No colchão alugado. Ao sair de casa. E me vi no espelho. Não estava morta. Pelos golpes do pai nem pelo silêncio da mãe. Coberta de. Amor? Talvez. Por um mistério que a prendia fio a fio. Debaixo das artérias àquele homem de um metro e noventa. Chegando em casa com olhar de pedra. Após o trabalho. Exigindo janta. Sem saber que a mulher quase morrera. Naquele dia. Se esvaindo em sangue de um parto malfeito. Pois não havia quem lhe levasse ao hospital. Mulher! Ou minha amiga Letícia. Aos dezessete. Nem chegou a casar pois sacou que o cara. Não valia nada e pulou fora. Morreu. Diante da recusa de pegar a aliança. De amor? Todas nós desamadas e desalmadas. Como disse a pastora num culto para jovens. Na igreja do centro por onde passava. Quando trabalhava no banco. Dez horas por dia. Ouvindo segredos e propostas dos clientes. Vamos lá em casa? Fomos. Tantas vezes. Amores de fim de semana. Uma mulher que ama. Eu? A minha cama. Feliz. Comprada à vista. Onde fecho os olhos prestes a dormir. Sonhando com os amores. Quadrados. Mal-feitos e tortos. Que escolhi.


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SOBRE O AUTOR


Daniel Rodas (Teixeira-PB – 1999) é escritor, poeta e dramaturgo. Estudante de Letras (UEPB). Editor da Revista Sucuru. Autor da plaquete Eros e Saturno (Editora Primata, 2021) e do livro Umbuama (Editora Urutau, 2021), tem textos publicados em vários meios eletrônicos, a exemplo das revistas Mallarmargens, Ruído Manifesto, Toró e Subversa. Faz parte do grupo de teatro ExperIeus da cidade de Monteiro-PB, onde colabora como ator. Pensa na poesia como um fluxo, como o fluir incontrolável da vida. Publica seus textos no blog: www.faroisnoturnos.blogspot.com.br


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