Por João Simino
Lembra daquele dia quando você desligou o despertador, tomou um banho rápido, com o corpo encolhido de frio. Calçou o par de tênis, subiu o jeans e se enfiou camiseta adentro sem nem se lembrar de passar um perfume ou desodorante porque, puxa vida, o ônibus está perto. O ponto silencioso, seu fone de ouvido com o lado direito sem funcionar, seu tênis com o solado descolando porque meu deus, que correria logo cedo. O terminal lotado, o mosh pit de cada dia na porta do ônibus...
Depois, nas alturas do fim de tarde te pintava alguma ideia, uma coisinha desconhecida, mas que te atiçava. E como se ela surgisse em meio a uma cortina de fumaça, te mostrava os dentes e te atacava. Você então se sentava, trancava as portinholas da percepção e focava naquilo: aquele poema, aquele conto.
Então, agora dentro de casa, nenhuma ideia veio, nenhum verso foi aproveitado. A caixa de lixo? Cheia de rascunhos abandonados. Sim, falta aquele input externo, aquela provocação daqueles dias, aquele agito de interações diversas. E de certa forma, aquele input agora está dentro de você. A pergunta agora é: como criar desse jeito? Terei que me reinventar para criar?
Bem, não tenho respostas. A verdade é que também fico pensando sobre isso, também sinto essa falta de motivação para escrever. O meu problema é tornar tudo um grande motivo para evitar sentar e escrever. Preguiça? Talvez. O fato é que não tem segredos: sente e escreva. Não existe ambiente apropriado, não existe tempo nem clima, o que existe é inércia. Reconheço, apesar disso tudo, que assim como um lutador de boxe treina muito antes de lutar e mais ainda antes de subir no ringue, quem escreve tem que se preparar antes de subir para o Word (ou softwares similares, como “caneta-e-papel”) e, mais ainda, antes de publicar.
Planejar, ler, escutar e pensar muito sobre o que você vai escrever podem te ajudar a entrar novamente nos eixos do famigerado ritmo de escrita. É como se fosse um aquecimento para o treino. Não sigo exatamente essa ordem, não sou daqueles que planejam demais, por exemplo. E dentro desse ritmo, gosto de trabalhar assuntos banais e soluções adversas, porque a vida me parece ser farta disso. E foi pensando nisso que venho aqui propor uma solução adversa para a falta de ideias.
Trarei aqui três playlists que servirão de apoio, ou melhor, de aquecimentos para o dia a dia; são playlists de podcasts sobre escrita e literatura que me ajudaram muito a refletir sobre o ato da escrita e sua relação com a própria vida. Os podcasts poderão ser encontrados facilmente pelo Spotify. As três playlists que proponho são: 1) Escutar; 2) Escrever; e 3) Editar, publicar. Para maio, Escutar, trago sugestões de reflexões sobre o escritor no mundo. São conversas com escritores sobre escritores e escrita, que servirão de notas introdutórias para as próximas, quando discutiremos os processos de escrita e edição.
Rádio Escafandro – Episódio 01: Como ser escritor no Brasil? (59 min)
Paiol Literário – Carlos Heitor Cony (42 min); Nélida Piñon (37 min)
Escritores-Leitores –Conceição Evaristo (34 min)
Quem somos nós? – Série Escritores: Episódios 44 (56 min, com Noemi Jaffe), 45 (54min., com Lourenço Mutarelli) e 46 (58 min, com Marçal Aquino)
Rádio Companhia – Episódio 131: Poetas hoje, com Heloisa Buarque de Hollanda (45 min)
O primeiro episódio do podcastEscafandro, organizado pelo jornalista e escritor Thomás Chiaverini, é um áudio documentário que investiga o exercício da atividade de escrever no Brasil, os percalços encarados nessa caminhada e a crise do mercado editorial nacional. Com uma discussão aprofundada, nele são entrevistados escritores como Aline Bei, Marcelino Freire, Eva Funari, entre outros.
E por falar em entrevistas, recomendo o Paiol Literário, feito pelo jornal Rascunho, encabeçado por Rogério Pereira, em parceria com o Itaú Cultural. Na série Paiol Literário, podemos acessar o acervo de entrevistas feitas pelo Rascunho entre 2006 e 2018 com escritores como Marina Colasanti, Rubens Figueiredo, Wilson Bueno e João Ubaldo Ribeiro. Particularmente, recomendo começar pelas entrevistas com Carlos Heitor Cony e Nélida Piñon.
Escutar o que os mais calejados têm a dizer é mais que instrutivo, é inspirador. E pensar e refletir com eles sobre aquela que é a nossa mais importante atividade, a leitura, nos torna um pouco mais íntimos deles. Por isso recomendo também o podcast Escritores-Leitores, começando pela Conceição Evaristo.
Os dois últimos são o podcastQuem somos nós?, episódios 44 a 46, apresentado por Celso Loducca e Rádio Companhia, no episódio 131. Não escreverei sobre esses últimos, porque eles servirão de gatilho para nossa próxima playlist: Escrever, onde nos encontraremos no próximo mês.
Comentários