top of page
Foto do escritorRevista Trajanos

O poeta queima voluntariamente, de Luiz Felipe Leprevost


Por João Simino


Neste último um ano e meio minha expectativa foi a de encontrar livros que abordassem a pandemia; expectativa simples, por sinal, o tema é inevitável. Só que para além da temática, esperei por descobrir das abordagens as mais impactantes.

Em outras palavras, as mais sensíveis. Luiz Felipe Leprevost foi um desses que me trouxe, nos poemas de O poeta queima voluntariamente (2020, Arte e Letra), uma abordagem delicada do poeta diante dessa realidade.

O poeta queima voluntariamente evoca muitos traços comuns entre aqueles que foram afetados pela pandemia: as saudades de determinados lugares; as lembranças de coisas triviais e cotidianas que não mais são; a tensão do recolhimento; a necessidade do afeto.

Dividindo o livro em cinco partes – “Seis Cafés”, “Uma canção de domingo”, “Vacina do mundo”, “História das coreografias” e “O poeta queima voluntariamente” –, Leprevost parte da pandemia e do confinamento para, a todo momento, compartilhar lembranças e saudades, desaguando ao longo da obra em uma abordagem voltada para a solidão.

São os momentâneos tropeços em cafeterias de “Seis Cafés” que despertam no leitor a atenção ao lugar onde o poeta busca refúgio e ao mesmo tempo trabalha, solitariamente.

Confesso que, ironicamente, encontrei nesse livro um ponto de encontro, porque O poeta queima voluntariamente evoca muitos traços comuns entre aqueles que foram afetados pela pandemia: as saudades de determinados lugares; as lembranças de coisas triviais e cotidianas que não mais são; a tensão do recolhimento; a necessidade do afeto.


“Tem vezes isso tudo

é o miolo de um iceberg.

Todo desertor é alguém de gelo

e nada há que o abrace.

Me sinto longe de todos

e o coração – arcaico, antediluviano –

na decifração do desconhecido.”

(p. 13)


Esse lugar, seja ele distante ou desconhecido, dita o tom nostálgico e quase melancólico dos poemas, em versos que se espreguiçam, em meio aos incômodos do frio, aos aromas de café, chuva e pinhão; aos sabores de pizzas, frutas, castanhas etc. Trata-se de um lugar recolhido do mundo lá fora, e por isso solitário, que traz consigo um reflexo da pandemia que aparece tímido nos primeiros poemas e se insurge no capítulo “Vacina do mundo”.

Em alusão ao drummondiano Sentimento do Mundo, o poema “Vacina do mundo” é o ponto de virada de O poeta queima voluntariamente. Se antes a relação entre o poeta e o mundo se apresentava sobretudo de forma prática, agora ela é uma relação predominantemente afetiva.

Assim como no poema de Drummond “o corpo transige / na confluência do amor” diante da guerra, Luiz Felipe Leprevost traz a memória de outra guerra, da presente e “indesviável tomada de consciência do luto”, pontuando: “O amor seja a vacina do mundo” (p. 33).

Porque os refúgios cotidianos se perdem e, com eles, percebemos a importância das coisas pequenas, que podem se resumir em um almoço de domingo e se fincar nas relações de afeto.


“Ontem você chorou, amor.

Hoje o dia está cinza como

uma confidência antiga.

O país em carne viva.

Nenhuma comiseração será banida.

Mas o seu olhar é uma

varanda apaziguadora.”

(p. 41)

Diante disso, o poeta encontra um novo refúgio em suas paixões, que se manifestam de formas diversas, mas que afrontam o caótico mundo contemporâneo. Se ele, na posição de artista, se coloca enquanto dissenso, hoje ele é puro afeto. O livro de Luiz Felipe Leprevost traz esse peso de forma intensa.

O poeta, enfim, queima voluntariamente porque é ao vê-lo em plena combustão em seus trabalhos que encontramos uma forma de reatar nossos laços com o mundo afetivo. E por meio desse, talvez exista alguma salvação.

Livro


Luiz Felipe Leprevost. O poeta queima voluntariamente. Curitiba: Arte e Letra, 2020. 56 p.

23 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


Post: Blog2_Post
bottom of page