Por Bruno Everton
A obra, “Madrugada de Farpas”, do escritor paranaense, Paulo Venturelli, simplesmente rasga e expõe as entranhas de uma Curitiba que vive, se alimenta e cresce nas sombras do desconhecido e por trás das máscaras dos papéis sociais de uma sociedade que não aceita o diferente do padrão social.
Tal exposição advém do olhar de Israel, um jovem branco de classe média, que ao encontrar Obadiah, negro e nordestino, vê sua identidade emergindo do âmago de seu ser, tal identidade que clama por liberdade, viajando entre as ruas da cidade da neblina para descobrir-se. Vale a nota de que o relacionamento das duas personagens é tratado de forma extremamente refinada, indo do romântico exagerado ao animalesco naturalismo, por meio da prosa e da poesia, ou na mistura de ambos.
Também deve-se mencionar que o relacionamento homoafetivo inter-racial das duas personagens é o instrumento utilizado para tecer e expor uma crítica social, principalmente ao retratar o pai de Israel, um senhor conservador que alimenta um discurso racista e homofóbico impregnado de generalizações e comentários “despretensiosos”.
Venturelli faz do tempo um mistério, um jogo indefinido em que minutos, horas e dias se misturam no mar do incerto e do indefinido. Compondo, junto a lugares conhecidos de Curitiba, uma linha temporal de eventos que se desprendem da memória de Israel, que ora é o narrador e ora não o é.
A obra encontra seus pontos altos nas referências às figuras e obras de renome da literatura, filosofia e sociologia. Tal como na reconstrução do “Quarto Duplo” de Baudelaire, sendo esse o quarto de motel que supostamente Israel e Obadiah tiveram seus primeiros encontros, que culminaram em relação sexual (retratados como se ambos estivessem em estado de transe). E ao final, quando Israel transcreve Obadiah em linhas que fundem o melhor da prosa e da poesia adornado com o mais fino tipo de ícones, símbolos, analogias e metáforas, trazendo uma amálgama composta por elementos do barroco, realismo-naturalista e grotesco.
Por fim, Venturelli mostra a razão de compor o hall de escritores paranaenses de relevância, afinal escrever um romance retratando um casal homoafetivo (ainda mais composto por um jovem negro e pobre, e um branco de classe média emergente) enquanto o discurso que ainda se propaga é de ódio e intolerância (mesmo em pleno século XXI), é um grito de rebeldia e uma postura ousada em meio a um conservadorismo vigente e notável na sociedade contemporânea.
“De algum lugar surgiu uma espécie de estola com a qual o demônio uniu a mão dos dois. Agora vocês podem viver. Agora um é do outro e não há nada mais que possa separá-los.”
Obrigado pelo olhar atento e sensível ao meu romance. Você fez uma leitura em profundidade captando o que eu queria passar com a paixão desenfreada entre dois personagens tão distintos e de espaços sociais que na aparência não se conjugam. Nestas páginas o amor diz seu nome em termos psíquicos, sociais e carnais, quando a lascívia une dois destinos e supera a mera fisicalidade para se tornar um sentido de vida. Os dois jovens sabem ser um no outro e um para o outro. Agora sua resenha me plenifica porque você captou nas entrelinhas o sentido crítico e sociológico que procurei imprimir nas páginas da madrugada repleta de inesperados.