TRÊS ILUMINAÇÕES PROFANAS
PRECE DO DESEJO À DOLOROSA
santa virgem dolorosa, chorai, doei
por mim que sofro porque doido amei
molhai o chão duro com vossas lágrimas
alagai a secura árida de nossas almas
e fazei do martírio o gozo que acalma
dai por mim como se désseis para mim
e não deixai que se apague a chama
para que acesa seja intenso carmim
misturai vossas férteis lágrimas e preces
para que a vida seja só de benesses
nascida dos nossos gozos que teceis
com vossa pureza acalentada de amor
fazei que nossas vidas sejam cor
intensa cor em total ausência de dor
SANTO ABELARDO FODEDOR
E HELOÍSA SEDUZIDA
não bastou apaixonar-me pela filosofia
caí aos pés de heloísa, aluna que muito sabia
eu a seduzi, ela cedeu, eu sucumbi
me ceguei à sua volúpia logo que a vi
corroeu-me a lógica ensinando nova dialética
todo inflamado de amor por essa frenética
com mais beijos que lição, enchi minhas mãos
que cegas iam mais aos seios que aos livros
até que nasceu o filho astrolábio, de nós furtivos
atingimos assim a trindade divina, pai, mãe e filho
com a teologia do bem supremo no sarilho
e o credo de foder sem parar até se replicar
mas a ira cúpida do tio de heloísa protetor
me perseguiu e cortante me castrou sem pudor
meus agressores foram presos, castrados e cegados
e o mandante tio dela, um cônego louco abnegado
o maldito fulberto, foi com o desterro fulminado
hoje castrado troco apenas cartas com ela freira tornada
e gozo pelas palavras sem lógica e de amor ornadas
assim digo que o pecado está na intenção tramada
e se deus existe é na ação de amar e gozar, mais nada
perfeita a dialética da trindade formada: ela, eu e deus
SÃO JOÃO BATISTA E SALOMÉ
tentas-me dizes para salvar-me odoma
ah nada santa filha de odoma sem fé
escrofilha da babilônia não me toques
santo que sou puro são joão batista
não deves profanar meu corpo que
rogo te esconjuro ordeno não insista
é santo templo do deus nosso senhor
tentas-me não desistes em sua férrea fé
já maior que a minha reduzida a pó
até que me faças ir ao delírio aqui tão só
em nudez antevejo o destino na perdição
é nele em total entrega que está a salvação
deixe-me assim realizar-me nessa danação
entrar por todos os seus santificados orifícios
todos lavados com a benta do santo ofício
por ele inteiramente purificados no senhor
deixe-me profanar seu corpo templo do amor
do deus magnificado na oração com ardor
toques em mim saia dessa beatificada redoma
e se entregue inteira santa filha de odoma
rezo e rezo e então saro do delírio e te renego
mirando a espada afiada e a bandeja brilhante
em que minha cabeça tomada de sonhos irá
*poemas publicados originalmente no livro Louvores Gozosos, pelos selos Olaria Cartonera e Sereia Ca(n)tadora
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SOBRE O AUTOR
Ademir Demarchi nasceu em Maringá-PR, reside em Santos-SP, cursou doutorado em literatura, é escritor e editor da revista de poesia Babel e do selo Sereia Ca(n)tadora e publicou os livros de poemas Os mortos na sala de jantar; Pirão de sereia; Gambiarra - uma pinguela para o futuro do pretérito; In Fuck We Trust; Cemitério da Filosofia; e os livros de ensaios Espantalhos e Contrapoéticas, entre outros. E-mail: revistababel@uol.com.br
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