MÃO
engordurada, causa asco se por acaso, tocar-lhe o rosto estendida, pro alto, no braço ereto é morte vire lentamente fechada, causa medo pode ser amor ou, talvez, um breve adeus soco na boca atrás das costas, de olhos fechados de surpresa, anunciado é proteção, salve pode acabar a dor ou, talvez, curar os teus no ônibus lotado, atrevida pequena, gorduchinha fede a covardia é o doce agora, também o futuro, infinitude
[enquanto limpa o embaçado do vidro, acena alguém do outro lado da rua]
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VOU DIZER QUE VOCÊ FOI VIAJAR
O problema não está nas manhãs
Barulhentas, dos caminhões e bate-estacas
O problema não está nas noites
Do silêncio e do gato vendo fantasmas
O problema é que entre sombra e luz
Sou dimensão vazia de mim mesmo
Pois o que resta é o verbo quase dito
Engolido em seco pela súbita ausência
Na dúvida, se um passarinho me perguntar
Vou dizer que você foi viajar
E que na estação, entre plantas que me ouvem
Vou cantar para os trens que nunca retornam
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PENDURICALHOS
Bom dia para o guarda que varou a madrugada
Cara feia e silêncio, as mãos ocupadas
Penduricalhos do lado esquerdo, do lado direito
Segue pela estação, esmola pro mendigo, não
Penduricalhos invisíveis na cabeça, retalhos
Rotos de todas as caminhadas incertas, insensíveis
É dia, mas poderia ser noite, tanto faz
No corpo seco, rugoso, que agora se liquefaz
Um adeus melancólico, sem música, carpideiras
Escada que sobe, escada que desce, tanto faz
Quando cair, faminto, na plataforma de embarque
Só vai sentir o sopro quente do trem que vai, que vem
E a mão gelada do enfermeiro, cansado pelo turno dobrado
Vai atestar, ainda respira, melhor cobrir com o jornal
Os penduricalhos se espalham, rolam soltos, livres
Disputados pela miséria, pelas mãos rachadas do desamor
E, ao som do locutor, tudo vira vazio até a próxima partida
Enquanto o guarda encosta na pilastra e se rende ao sono
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SOBRE O AUTOR
Alessandro José Padin Ferreira é escritor, professor universitário e jornalista. Graduado em Comunicação Social, com ênfase em Jornalismo, pela Universidade Católica de Santos, é mestre em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Após anos dedicados à atividade jornalística e acadêmica, retomou os estudos em linguagens poéticas e literatura e vem participando de antologias. É autor do livro de poemas Tomorrow is a long time (Patuá, 2022) e da novela policial A leve esperança (Caravana, 2022).
Muito bom esse "Vou dizer que você foi viajar" é o que fazemos qdo a peessoa de que gostamos - e o povo todo sabe! - dá um tempo, sai um pouco de nossa vida