a sombra incorporada
circula a existência.
vejo arfar na fenda
as caças transtornadas de diana.
vejo os destinos, como marcas
despertando o deserto em que curso.
após, a essência da vida
surge sob as janelas instáveis, secretas.
sinto o balanço do espólio que se anima
sobre a substância escura da cova.
e a linguagem da atmosfera ausente
e a linguagem das mãos rasgadas em tragédias
e a linguagem dos líquidos passageiros.
e a sombra circulada
incorpora a existência.
como uma pantera,
o pensamento fixa os punhos no centro da noite.
sinto o balanço das folhas que expiram,
o ruído dos véus que viajam
e a linguagem que tomba
como uma súplica no vale ermo.
assim vejo a sombra partindo
vejo a sombra partindo da humanidade
e a ideia que se dobra nas ancas do abismo
e os véus arqueados que desfraldam o tempo
como poderosas quimeras de chama púrpura
sucumbindo tragadas pela cegueira.
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um eu, porém diluído.
o que interessa além da gradação ardente
dessas palavras plasmadas de chamas
que convocam ao término o plasma?
aquilo que demanda ao término não interessa.
um eu incompleto. declinado.
ruídos articulam primitivas criaturas
habitadas em brechas de ufania e assombro.
naturezas se deslocam.
heranças, pausas e cortes.
um eu deslocado, porém dissolvido
por baixo das tramas da viúva.
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nesse ponto, nessa vida,
nesse instante
de um tempo que não esse.
imóveis, os objetos sentem.
trêmulo, um eu trama um eu,
sílaba por sílaba, traço por traço.
um eu descobridor
como o princípio fendido do segredo.
trama diferentes objetos.
um impulso de recomeço se ergue
à face inquieta do declínio.
trama a ruína e o recomeço.
o intervalo se anima de tramas
e abrasados distintos eus cintilam.
cada trama é multidão – e exílio.
escolho essa vida, esse mundo,
esse abismo pretérito que me abraça.
parte o poema. mesmo sem partir um eu trama
distintos desvios, distintos intervalos, distintas presenças
que são as peças
de distintos poemas que ainda não partiram
mas que de igual forma serão cada multidão
– e todo o exílio.
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SOBRE O AUTOR
Bruno Oggione nasceu em 1990 na cidade do Rio de Janeiro. É graduado em Letras (UERJ) e mestre em Literatura Portuguesa (UERJ). Além de integrar as coletâneas 3º prêmio literário Afeigraf (Scortecci), e Não vão nos calar! (Persona), é autor dos livros Mãos de Ninguém (pequenas astúcias) (Morandi), Velas pandas, andas... – Ode Marítima e Os Lusíadas (Folio Digital) e Do mar (Morandi). Tem trabalhos publicados nas revistas Mallarmargens, Aboio, Ruído Manifesto, Torquato, Tamarina, Sucuru, Pixé, Diversos Afins, Cultural Traços, Fluxos, D-Arte, Inversos e LiteraLivre.
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