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  • Foto do escritorRevista Trajanos

Três poemas de Bruno Oggione


a sombra incorporada

circula a existência.

vejo arfar na fenda

as caças transtornadas de diana.

vejo os destinos, como marcas

despertando o deserto em que curso.

após, a essência da vida

surge sob as janelas instáveis, secretas.

sinto o balanço do espólio que se anima

sobre a substância escura da cova.

e a linguagem da atmosfera ausente

e a linguagem das mãos rasgadas em tragédias

e a linguagem dos líquidos passageiros.

e a sombra circulada

incorpora a existência.

como uma pantera,

o pensamento fixa os punhos no centro da noite.

sinto o balanço das folhas que expiram,

o ruído dos véus que viajam

e a linguagem que tomba

como uma súplica no vale ermo.

assim vejo a sombra partindo

vejo a sombra partindo da humanidade

e a ideia que se dobra nas ancas do abismo

e os véus arqueados que desfraldam o tempo

como poderosas quimeras de chama púrpura

sucumbindo tragadas pela cegueira.



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um eu, porém diluído.

o que interessa além da gradação ardente

dessas palavras plasmadas de chamas

que convocam ao término o plasma?

aquilo que demanda ao término não interessa.

um eu incompleto. declinado.

ruídos articulam primitivas criaturas

habitadas em brechas de ufania e assombro.

naturezas se deslocam.

heranças, pausas e cortes.

um eu deslocado, porém dissolvido

por baixo das tramas da viúva.



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nesse ponto, nessa vida,

nesse instante

de um tempo que não esse.

imóveis, os objetos sentem.

trêmulo, um eu trama um eu,

sílaba por sílaba, traço por traço.


um eu descobridor

como o princípio fendido do segredo.

trama diferentes objetos.

um impulso de recomeço se ergue

à face inquieta do declínio.

trama a ruína e o recomeço.

o intervalo se anima de tramas

e abrasados distintos eus cintilam.


cada trama é multidão – e exílio.


escolho essa vida, esse mundo,

esse abismo pretérito que me abraça.

parte o poema. mesmo sem partir um eu trama

distintos desvios, distintos intervalos, distintas presenças

que são as peças

de distintos poemas que ainda não partiram

mas que de igual forma serão cada multidão

– e todo o exílio.



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SOBRE O AUTOR


Bruno Oggione nasceu em 1990 na cidade do Rio de Janeiro. É graduado em Letras (UERJ) e mestre em Literatura Portuguesa (UERJ). Além de integrar as coletâneas 3º prêmio literário Afeigraf (Scortecci), e Não vão nos calar! (Persona), é autor dos livros Mãos de Ninguém (pequenas astúcias) (Morandi), Velas pandas, andas... – Ode Marítima e Os Lusíadas (Folio Digital) e Do mar (Morandi). Tem trabalhos publicados nas revistas Mallarmargens, Aboio, Ruído Manifesto, Torquato, Tamarina, Sucuru, Pixé, Diversos Afins, Cultural Traços, Fluxos, D-Arte, Inversos e LiteraLivre.

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