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Três poemas de Ricardo Pedrosa Alves



Um leitor de André Breton, em Niterói, 1999


Não é então como um vazio dia ordinário, quando o piano não sincroniza com o vidro, esta imprecisão diz o que é necessário, ouvir, estacas batidas todo tempo, lá dentro uma veia, verdade que um rio, onde você na grama eu no perigo, ouvir não basta, a formulação, para rima, nasce gasta, um senhor num lago em Vermont compondo metamorfoses, parece o trânsito de uma cidade grande, perdoem se há cidades pequenas com galos em vez de aeroplanos, tanto tempo, jogando em jornais, revistas, mostrando aos amigos, o que é necessário é que existas, pois fazem música e não fazem os taxidermistas os taxistas e os teóricos, o automóvel, ficar esperando morrer, provocando, o silêncio é uma bola que me abrange, agora, aquela veia, sim, descer por ela, e para quê?, e mesmo assim na lama em que patinamos há plano, o deslizar seus acidentes e mesmo assim, ficar fugindo, não fugindo, que só há escuro, cair num buraco profundo, saber que todas as palavras são impróprias, em vez de contabilizar as horas acima das nuvens, nadar na sua barriga, sua água, aquela veia, sua água de criança, seu beijo mimoso, ficar de preguiça rindo, ouvindo bebê, ele que levita, ele que sabe, ela, ela que concebe, ficar de espreita todo anoitecer, ver um bebê ali, ele, ela, estão ali esperando os mortos, as árvores que o vento vibra, toda tarde, passaram brigando os corvos de barriga vermelha, ou?, aquela meia lua, o céu brilhava todo, pedrinhas, pedregulhos, hoje ter de ir lá assinar a papelada, trazer o poema do nada à cidadania, que palavra horrível, palavra horrível, e apesar das tentativas estar pagando, parcelando, votando, sendo o reflexo da trama, alimentando-a nas fugas, nos games, nas dicas de decoração e culinária, no comentário de rodapé, para o vizinho, ser um peixinho já boiando podre, independentemente das estrelas caindo, toda aquela imensidão de algoritmos, seu gozo fortíssimo, o bolo que detonamos, transportar para cima e para baixo um cão sem patas, cair, cair, calçar sapato sem as mãos, ouvir que a tarde será chuvosa




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Um leitor de André Breton, em Niterói, 2009


Do deserto, recompor as partes modo que a arte adiante o recado e ninguém fique guardado nas caves do livro d’Isto. da luz que a palavra falava apenas quando ela falava. era um coice de passarinho de manhã, perto da janela, acordando o ônibus e o cão. dentro da caverna, o homem olhava a boca da mulher, saía bolha em forma de sim. estamos passeando no aço cortante, sua renda em mim permite a dança e te cortejo. o relógio pisca, você sabe quando é brisa e quando é foice, focinheira. forra de caveira minha cova, deixa o som com espuma entre as coxas. lá fora o frio corta o que nasceu primeiro (outro toco de pinheiro) dentro da lona de engenharia química. ainda é brisa e manhã e sinto a brasa em mim, suas asas de pégaso gasoso nos sons.


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Era outra pessoa lendo Breton


Aquilo de arraias foi outra época, na rede, lendo até o fim as linhas de Breton

não qualquer rede, rede qualquer, mas a concha de um quase corpo esquecido ao vento

dormir virado para a maresia, enfim, não qualquer sacada, mas a pegada do poema do Breton

trazer arraias foi uma forma de aprender a esticar a palavra até rasgar

foi outra época outra praia foi quando eu não existia como hoje nem você existia

tinha outra pessoa eu não lembro do cheiro dela agora era outra pessoa




*Estes poemas estarão no próximo livro de Ricardo Pedrosa Alves, Propércio e oito onças de rape.


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SOBRE O AUTOR


Ricardo Pedrosa Alves, 51 anos, é professor universitário (UEPG) e pesquisador na área das literaturas africanas. Publicou os livros Desencantos mínimos (Iluminuras, 1996), barato (Medusa, 2011), Poemas baseados (Kötter, 2018), Algo chega tarde demais (Medusa, 2020) e Vagau (Olaria Cartonera, 2021). Com os poetas Ronald Augusto e Cândido Rolim, lançou também o volume Orumuro/Remerzbau (Butecanis Editora Cabocla, 2017). Dirigiu e apresentou, nos anos 2000, a série de programas Metáfora (Rádio Educativa do Paraná), veiculando poesia pelo rádio. Também participou da Bienal Internacional de Curitiba (2013) e da antologia Vinagre, uma antologia de poetas neobarracos (2013), editada durante os protestos de 2013. Está na antologia 101 poetas paranaenses (org. Ademir Demarchi, Editora da Biblioteca Pública do Paraná, 2014). Foi vencedor do prêmio nacional Helena Kolody. Mantém o blogue de crítica literária pardelicatesse.blogspot.com.br.




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