PARA ALÉM
Para além da fronteira
nada há
que me lance à frente.
Para além da porta
há um porto
seco de mar,
de onde não parte barco
e nem atraca corda.
Para além do quarto
há um corte curto
no pulso.
Para além da cama
não há corpo que ame,
há só o verso
onde durmo.
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ÚLTIMO ANO
Quem se cansava da linha
ia pro gol
e acertar a canela,
quando houvesse consenso,
era falta.
Assim entardecia
no Vermelhão da Serra,
batizado pelo Zigo,
professor de Química e enganche:
nunca demos tempo
para a grama vingar.
Desfalcou-me o trinta e oito,
furando calça e carne.
Depois foi a boca da Tita,
língua enroscada na minha
por quilômetros a fio.
Salvou-se a rótula,
mas não o coração.
Então fiz dezoito
e pendurei as chuteiras.
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VINTE E SETE DE JULHO
Van Gogh alvejado, tinta fresca escorrendo.
Meu pai num leito tocado a morfina.
Cento e doze anos e um Atlântico de distância.
Barbas ruivas sem pintar.
Um caminha até a vila, o outro já nem levanta.
Olhos fixos no terror, mão sem força na minha.
Pinceladas certeiras por dentro.
As três orelhas moribundas já não ouvem.
Vinte e sete de julho, um dia amarelo demais.
Quadro para a posteridade.
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SOBRE O AUTOR
Vitor Eduardo Simon tem 48 anos e vive em São Leopoldo-RS. É formado em Publicidade e Propaganda pela UFSM (1995) e em Filosofia pela UFPel (2021). Estudou poesia na oficina de Orlando Fonseca e conto na de Luiz Antonio de Assis Brasil. Ficou em terceiro lugar no Prêmio Cidadão de Poesia, em 2019, na cidade de Limeira-SP, e ganhou Menção Honrosa no 31º Concurso de Contos de Araçatuba-SP, em 2018. Já publicou dois livros de contos: “Bravos contos breves” (2014 – autopublicação) e “Moedas soltas no bolso” (2018 – Editora Benfazeja). Fez a sua estreia como poeta com “Cata-vento imóvel” (2020 – autopublicação).
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