Dois dedos de conhaque
Os bares abrem tarde e fecham cedo. Cedo demais. É domingo e cá estou eu em um bar quase vazio. Me importo? Sim e não. Me importaria se estivesse cheio? Talvez. Tenho um copo com dois dedos de conhaque, mas a mão dos problemas tem a Síndrome de Marfan. Estou quase casando com esses problemas, mas minha reputação não permite colocar uma aliança nesta mão de dedos tão longos.
Somos velhos amigos, e estragar amizades por um relacionamento não vale a pena. Ela e eu estamos juntos, então não sei a quem quero enganar. Amar a solidão talvez faça bastante sentido: É uma relação que tem sido duradoura. No começo de certa forma é estranho se relacionar com algo que a maioria das pessoas procuram evitar, mas com o passar do tempo tudo vai se encaixando. Hoje, por exemplo, estamos tomando conhaque juntos.
Surge às vezes uma pontada de ciúmes por parte dela quando eu resolvo pegar o bloco de notas para em um momento esquecer o mundo. “Poesia é necessário”, eu digo. Ela sabe que é um dos motivos que me fazem escrever, então não entendo esse ciúme, acho que me quer todo e somente para ela. Egoísta, me chama todos os dias e não me deixa esquecê-la.
Ela também gosta de conhaque, diz que me faz bem, que bebendo sou melhor e nem preciso escrever. Diz que numa dessas noites em que bebo ela irá me apresentar sua amiga: a Culpa.
Conheço uma amiga dela bem de perto: Tristeza. Foi louca a noite em que a Solidão me pegou na cama com a Tristeza. Fiquei assustado, achando que haveria briga. Foi o contrário: Naquela noite ela deitou-se ao meu lado e ao lado da Tristeza. Ficamos unidos como uma ponte.
No dia seguinte acordei e levei ambas para o trabalho. Por falta de tempo não dei muita atenção, o que fez elas se ausentarem por um momento. Hora ou outra me mandaram algum recado quando eu olhava pela janela. Ao final do expediente as encontrei novamente e abracei-as fortemente, levando-as comigo até em casa.
Neste momento em que escrevo elas se ausentaram: acham chato quando estou a juntar palavras. Logo elas voltam. Até lá, tenho mais um dedo de conhaque.
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Palmas
O segredo que agora conto
Do vôo que sempre estrova,
O pernilongo tanto tonto
Sua vida pelo sangue trava:
Milenares hematófagos,
Seus antepassados beberam
De faraós, antes do sarcófago;
Do sangue de reis se saciaram,
E voaram pelos jardins da Babilônia,
Picaram também Alexandre,
Que lá em Macedônia
Talvez passou raiva grande.
O pernilongo foi contemporâneo
De Gengis Khan e seu império,
Buscou sangue no subcutâneo
De todo o exército, com certo brio.
Presenciou as insônias de Dalí,
Que dos zumbidos surrealistas
Foi o salvador e agora vai
Ser sonho eterno de artista.
E a ti, mosquito medonho,
Palmas tenho que bater.
Meu dia anda tão enfadonho
Que em minhas mãos tem de morrer!
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SOBRE O AUTOR
Fabiano Favretto, 28 anos, é formado em Design Digital. Considera a escrita como um hobby, o qual executa há mais de 9 anos. É letrista e compositor da Banda Fantasmas do Velho Oeste, da qual também faz parte tocando viola caipira. Há mais de três anos produz materiais alternativos com poesias e textos autorais, totalizando mais de trinta volumes já lançados. Atualmente produz uma série de fanzines com textos próprios e materiais de artistas visuais da cidade de Campo Largo e Curitiba. Produz também textos e artigos voltados para as áreas de Design de Produtos Digitais e Experiência do Usuário, áreas estas em que atua efetivamente.
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