Por Bruno Everton
Na última publicação da coluna do ano de 2021, a proposta não é falar especificamente de uma obra literária, mas repensar no trajeto realizado ao longo do ano. Desde a estreia da revista Trajanos, a coluna (Re)visitando tinha um duplo objetivo: (i) (re)apresentar obras ao seu público por meio de uma resenha sobre elas e (ii) (re)visitar obras já conhecidas pelo público. Com isso em mente, adotou-se dois parâmetros para elaborar a nossa tour literária: (i) livros de origem latina e (ii) obras com uma poética bem consolidada, apresentando uma trama relativamente rica, que suscite em leituras críticas.
Por isso que, ao longo das nossas sucessivas (re)visitações, nos deparamos com as obras: A sibila, de Agustina Bessa-luís; Terra sonâmbula, de Mia Couto; Madrugada de farpas, de Paulo Venturelli; Meu pé de laranja lima, de José Mauro de Vasconcelos; Dias de abandono, de Elena Ferrante; Cinco esquinas, de Mario Vargas Llosa; findando com O rei era assim, de Paulo Sandrini. Cada obra, dentro de seu espaço literário, apresenta-nos sua potencialidade por meio da sua composição simbólica e narratológica. Seja essa obra naturalmente escrita em língua portuguesa, ou traduzida para esta, o contato com a literatura tende a propiciar um diálogo entre a expectativa do leitor, a realidade da obra e o resultado final dessa leitura que pode consumar, ou não, as expectativas de quem recebe o livro em suas mãos.
Independentemente da estética, seja ela experimental, fatalista, realista ou romântica, cada obra resguarda um imaginário intrínseco, que se descobre ao primeiro contato com leitor, quando este folheia o livro. O que esperar de uma visita às terras agrícolas de A sibila? Teriam elas a mesma geografia simbólica de desolação das terras secas de Terra sonâmbula? Muidinga e Zezinho seriam potencialmente amigos, ao partilhar do mesmo olhar imaginativo do mundo, apesar de separados por continente? O amor é realmente algo paradoxal, a ponto de ora ser repulsivo, ora demoníaco e ora salvação, como podemos sugerir por meio da transa poética entre Israel e Obadiah em sua Madrugada de farpas, ou o amor é segredo, traição e crise como em Dias de abandono? Ou, então, amar é nas entrelinhas, no subjetivo, na fuga, no proibido, como ocorre em Cinco esquinas? A quem cabe responder todas essas hipóteses se não o próprio leitor? Que inscreve sobre a obra junto ao autor que a materializa, mas não a concretiza enquanto uma leitura única dotada de uma verdade absoluta sobre ela.
Eis a importância não só da literatura, como também da obra com o seu leitor. Rancière propõe que há um louco das letras e que há um cativeiro, este último é a obra literária, que seduz, atrai, cativa e captura o seu leitor. Arremessando-o em sua prisão de linguagem, subjetividade, alegorias e tudo aquilo que é dito sem verbalizar uma só letra. Sejamos cada vez mais loucos das e pelas letras. Não temamos as grades do cativeiro da literatura, tampouco percamos o fôlego e o calor em (re)visitar os calabouços que outrora escuros, agora se revelam com uma certa luminosidade. Deixamos marcados sete possíveis cativeiros que nos prenderam momentaneamente, mas, ano que vem, as grades que nos cercarão serão outras. Até o próximo percurso, nos encontraremos em um outro passeio pelo bosque.
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