Desastrinho viagens alerta: Em caso de adulto ansioso em primeira viagem internacional, vá para Buenos Aires! (depois da pandemia)
Viajar é mesmo tipo dar a primeira mordida no sorvete mais especial do mundo. Viajar internacionalmente na fase adulta se mostrou um pouco diferente do que guardava minha memória afetiva em relação à palavra viagem... Em certa medida, eu mantinha impressões quanto a essa experiência ligadas aos meus familiares, sem ainda o filtro da autonomia.
Primeiro, todos os itens das nossas necessidades não estarão magicamente em uma bolsa. E não haverá pessoas responsáveis por nossa segurança, diversão e emoções. Nas viagens em família, meus pais faziam uso constante do imperativo tretagórico x parentes:
1) mantenha a paciência nos universais momentos de rachar a conta;
2) pratique a empatia com filhotes alheios nos crepes e churros;
3) e flexibilize os acordos de passeio.
Até aí tudo bem. Comparando com outra experiência sufocante, lembre-se daquele início de ano letivo. Lembrou? Não sei você, mas pra mim, péssimo! Você não vai começar um ano letivo com professoris/alunis novos e com desafios maiores sem estar com os materiais necessários para isso. Todo esse planejamento é feito por alguém. Viajar é quase isso, só que é você quem leva a bolsa com pomada de assadura.
Embora se planeje meio de transporte e estadia (coisas básicas para viajar), no meu caso vivi um pequeno desastre, pois existem detalhes que não antecipei, como:
1) ter planos B, C, D e E (assim como as alternativas de uma prova).
2) levar dinheiro extra para imprevistos.
Em Buenos Aires percebi que poderia ter antecipado esse pequeno planejamento. Como pessoa ansiosa + o fato de não me informar o suficiente = me acidentei na expressão Zona de conforto. Naquele momento, por estar em contato com outra língua e hábitos diferentes dos meus, não resisti a ser conduzido para a zona da
IN e meus pensamentos foram:
SE GU - me sentir insuficiente;
RAN - duvidar dos meus valores;
ÇA. - me sentir não pertencente.
Naturalmente questionamos a concepção de mundo que temos, e isso é bom, pode significar a possibilidade de alargar a (nossa) configuração padrão de mundo e pessoas.
A questão pesada aqui e efeito colateral bom de se perceber (no meu caso) foi:
- Planejar aquilo que é prático e pode ser planejado com antecedência garante minimamente:
- segurança;
- estabilidade emocional;
- e diversão.
De qualquer maneira, viagem também estressa, conflitos vão acontecer numa viagem, e esses conflitos podem se intensificar se não houver autonomia entre as 24h junto dxs seus/suas companheiris.
Diferentemente daquela experiência nova de desastre letivo, é muito provável que ninguém vá te explicar que você pode estar inseguro por:
a) não saber coisas comuns do mundo em que as pessoas NAQUELE MOMENTO ALI sabem;
b) ninguém necessariamente* vai te ajudar a se sentir melhor consigo mesmo por você não ter antecipado situações de perrengue (embora muito provavelmente seus/suas companheiris vão te ajudar);
c) como também, não é justo com sua experiência que alguém aja, ou tenha que agir paternalmente ou maternalmente para te ajudar a LIDAR com a sua insegurança.
*Ninguém é obrigadi a nada.
Boas notícias:
Caso não tenha planejado tão bem sua viagem e viveu algo emocionalmente catastrófico: vai ficar tudo bem! A rainha louca (voz da insegurança) não define sua próxima viagem, ou a pessoa que você é. Se ouvir aquele nhac nhac insuportável da cretina da ansiedade desnecessária mastigando ao seu lado, você pode ficar um pouco confusi. Por isso, tenha:
*tenha dinheiro extra para continuar sua viagem sozinhi;
*tenha mais opções de hostel, hotel e albergue;
*leia mais relatos de pessoas que foram para a cidade/país para onde você está viajando;
*ou, saiba como voltar pra casa;
*lembre-se que você é um ser humano capaz de sair da sua rotina e se divertir muito fazendo isso.
P.S.: Se informe sobre a moeda do lugar para onde você vai, qual a capital, tenha um mapa (pode ser virtual), um carregador portátil, um adaptador de tomada, lugares para se informar, um bar pra tomar uma cerveja que tenha sinal de wi-fi. Esses pequenos itens (e outros) te darão minimamente segurança pra lidar com a imprevisibilidade emocional que a vida pode proporcionar em qualquer lugar do mundo.
P.S. 2: Após o trauma, lembre-se das experiências boas da viagem, pois aconteceram com toda certeza.
P.S. 3: inicie uma terapia e não desista de viajar novamente.
P.S. 4: se você ainda não está na fase aprender aprendendo não seja o carrasco do seu próprio pescoço por aprender com seus erros.
Música: Sink into the Floor – Feng Suave
Livro: “27 poemas com nomes de pessoas” – Cecília Pavón
Poema: “Ahora vos” – Tuti Curani
Lugar favorito: Livraria El Ateneo, Casino Puerto Madero, Feira de San Telmo.
Comida: qualquer coisa de doce de leite (sorvete).
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o leitor come metáfora
o leitor come uma pizza
octávia e. butler com it
o leitor tem um cartão no bolso
um leitor faz viagem no trampo
tem uma estrela enfiada
no cu
o leitor faz trampolim na livraria
tem vestígio de casca e chá o leitor
indiferente esqueceu a lata em cima
do leitor tem pás de lama e shopping
o leitor come o leitor
o leitor lê muito muito muito
tem orgulho e legumes
o leitor escuta o uivo no spotify
e fica preso no elevador
o leitor tem o sexo em retalhos
derrama sorvete na veja
derrapa no conto da aia
convida o umbigo
se depara com o canadá nas coxas
o leitor como lentilhas
o leitor com fome pede augusto curry
o leitor como ciclista
das moscas o leitor
tem direitos
o leitor vai à livraria e quer
uma coerência após noite urbana
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SOBRE O AUTOR
Raul K. Souza
É natural de Curitiba, com formação em Filosofia, largou uma especialização em Direitos Humanos para andar de bicicleta e depois também largou a bicicleta.
Atua como editor na Kotter Editorial. Escreveu o zine independente Astronautas pedem uma pizza e dois pathos com gelo (2017), produzido junto com Francieli Cunico e Antonio Lopes. Lançou seu primeiro livro, Ligações que rasgam, em 2021.
Muito crítico, pois virginiano.
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