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Foto do escritorRevista Trajanos

UMA CRÔNICA E UM POEMA DE RAUL K. SOUZA


Desastrinho viagens alerta: Em caso de adulto ansioso em primeira viagem internacional, vá para Buenos Aires! (depois da pandemia)



Viajar é mesmo tipo dar a primeira mordida no sorvete mais especial do mundo. Viajar internacionalmente na fase adulta se mostrou um pouco diferente do que guardava minha memória afetiva em relação à palavra viagem... Em certa medida, eu mantinha impressões quanto a essa experiência ligadas aos meus familiares, sem ainda o filtro da autonomia.

Primeiro, todos os itens das nossas necessidades não estarão magicamente em uma bolsa. E não haverá pessoas responsáveis por nossa segurança, diversão e emoções. Nas viagens em família, meus pais faziam uso constante do imperativo tretagórico x parentes:


1) mantenha a paciência nos universais momentos de rachar a conta;

2) pratique a empatia com filhotes alheios nos crepes e churros;

3) e flexibilize os acordos de passeio.


Até aí tudo bem. Comparando com outra experiência sufocante, lembre-se daquele início de ano letivo. Lembrou? Não sei você, mas pra mim, péssimo! Você não vai começar um ano letivo com professoris/alunis novos e com desafios maiores sem estar com os materiais necessários para isso. Todo esse planejamento é feito por alguém. Viajar é quase isso, só que é você quem leva a bolsa com pomada de assadura.

Embora se planeje meio de transporte e estadia (coisas básicas para viajar), no meu caso vivi um pequeno desastre, pois existem detalhes que não antecipei, como:


1) ter planos B, C, D e E (assim como as alternativas de uma prova).

2) levar dinheiro extra para imprevistos.


Em Buenos Aires percebi que poderia ter antecipado esse pequeno planejamento. Como pessoa ansiosa + o fato de não me informar o suficiente = me acidentei na expressão Zona de conforto. Naquele momento, por estar em contato com outra língua e hábitos diferentes dos meus, não resisti a ser conduzido para a zona da


IN e meus pensamentos foram:

SE GU - me sentir insuficiente;

RAN - duvidar dos meus valores;

ÇA. - me sentir não pertencente.



Naturalmente questionamos a concepção de mundo que temos, e isso é bom, pode significar a possibilidade de alargar a (nossa) configuração padrão de mundo e pessoas.

A questão pesada aqui e efeito colateral bom de se perceber (no meu caso) foi:

- Planejar aquilo que é prático e pode ser planejado com antecedência garante minimamente:


- segurança;

- estabilidade emocional;

- e diversão.


De qualquer maneira, viagem também estressa, conflitos vão acontecer numa viagem, e esses conflitos podem se intensificar se não houver autonomia entre as 24h junto dxs seus/suas companheiris.

Diferentemente daquela experiência nova de desastre letivo, é muito provável que ninguém vá te explicar que você pode estar inseguro por:


a) não saber coisas comuns do mundo em que as pessoas NAQUELE MOMENTO ALI sabem;

b) ninguém necessariamente* vai te ajudar a se sentir melhor consigo mesmo por você não ter antecipado situações de perrengue (embora muito provavelmente seus/suas companheiris vão te ajudar);

c) como também, não é justo com sua experiência que alguém aja, ou tenha que agir paternalmente ou maternalmente para te ajudar a LIDAR com a sua insegurança.


*Ninguém é obrigadi a nada.


Boas notícias:

Caso não tenha planejado tão bem sua viagem e viveu algo emocionalmente catastrófico: vai ficar tudo bem! A rainha louca (voz da insegurança) não define sua próxima viagem, ou a pessoa que você é. Se ouvir aquele nhac nhac insuportável da cretina da ansiedade desnecessária mastigando ao seu lado, você pode ficar um pouco confusi. Por isso, tenha:


*tenha dinheiro extra para continuar sua viagem sozinhi;

*tenha mais opções de hostel, hotel e albergue;

*leia mais relatos de pessoas que foram para a cidade/país para onde você está viajando;

*ou, saiba como voltar pra casa;

*lembre-se que você é um ser humano capaz de sair da sua rotina e se divertir muito fazendo isso.


P.S.: Se informe sobre a moeda do lugar para onde você vai, qual a capital, tenha um mapa (pode ser virtual), um carregador portátil, um adaptador de tomada, lugares para se informar, um bar pra tomar uma cerveja que tenha sinal de wi-fi. Esses pequenos itens (e outros) te darão minimamente segurança pra lidar com a imprevisibilidade emocional que a vida pode proporcionar em qualquer lugar do mundo.


P.S. 2: Após o trauma, lembre-se das experiências boas da viagem, pois aconteceram com toda certeza.


P.S. 3: inicie uma terapia e não desista de viajar novamente.


P.S. 4: se você ainda não está na fase aprender aprendendo não seja o carrasco do seu próprio pescoço por aprender com seus erros.


Música: Sink into the Floor – Feng Suave

Livro: “27 poemas com nomes de pessoas” – Cecília Pavón

Poema: Ahora vos” – Tuti Curani

Lugar favorito: Livraria El Ateneo, Casino Puerto Madero, Feira de San Telmo.

Comida: qualquer coisa de doce de leite (sorvete).




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o leitor come metáfora

o leitor come uma pizza

octávia e. butler com it


o leitor tem um cartão no bolso

um leitor faz viagem no trampo

tem uma estrela enfiada

no cu


o leitor faz trampolim na livraria

tem vestígio de casca e chá o leitor

indiferente esqueceu a lata em cima

do leitor tem pás de lama e shopping


o leitor come o leitor


o leitor lê muito muito muito

tem orgulho e legumes

o leitor escuta o uivo no spotify

e fica preso no elevador


o leitor tem o sexo em retalhos

derrama sorvete na veja

derrapa no conto da aia

convida o umbigo

se depara com o canadá nas coxas


o leitor como lentilhas

o leitor com fome pede augusto curry

o leitor como ciclista

das moscas o leitor

tem direitos


o leitor vai à livraria e quer

uma coerência após noite urbana



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SOBRE O AUTOR



Raul K. Souza


É natural de Curitiba, com formação em Filosofia, largou uma especialização em Direitos Humanos para andar de bicicleta e depois também largou a bicicleta.

Atua como editor na Kotter Editorial. Escreveu o zine independente Astronautas pedem uma pizza e dois pathos com gelo (2017), produzido junto com Francieli Cunico e Antonio Lopes. Lançou seu primeiro livro, Ligações que rasgam, em 2021.

Muito crítico, pois virginiano.

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