Por Renata C. L. Miccelli
[...] o espírito ainda inquieto,
insatisfeito e boêmio,
quer embriagar-se no devaneio
de buscar novas searas,
plantar e colher amores,
amigos e sonhos sem fim.
(Margarita Wasserman)
Às vezes parece que conheço bem a cidade na qual nasci. Outras, vejo que há muito de Curitiba que ainda não conheço.
Às vezes, andando pelas ruas da cidade, me pego pensando em vidas. Na minha, na dos comerciantes, na dos rostos apressados, na das caras fechadas, que só às vezes abrem um sorriso simpático, acanhado, para negar os doces, as frutas, as bugigangas vendidas e anunciadas pelos meninos em alto e bom som.
Margarita Wasserman, em seu livro Visões de Curitiba (2009), retoma uma Curitiba pensante, que reflete sobre a vida, sobre as eleições, sobre o cotidiano singelo, na pressa do dia a dia, nas perdas, nas amizades simples que cultivamos e gostamos de cultivar.
Na flor que “No muro nasceu, sem amor e sem pólen”, nos dias e nos anos que se passaram, nos pensamentos que nos cercam quando nos deparamos com as diferenças sociais, nos dias que estamos cansados, com dores de cabeça, mas, mesmo assim, nos dispomos a velhos amigos encontrar.
São diálogos simples. Uma escrita simples. É um provocar.
A Rua Riachuelo, o Mate Leão, “os jardins no bairro da Água Verde”, sempre lindos, os famosos dias chuvosos, que limpam e lavam nossas almas, que nos fazem sentir “brilhante fulgurante, engastado num céu sem nuvens”, as missas da Igreja de São Vicente.
Wasserman retoma uma Curitiba antiga, despertando nos mais antigos memórias afetivas e, nos mais novos, o desejo de andar por aí, conhecendo cheiros, visões e apreciando a vida acontecer dentro dessa cidade.
E ela acontece.
“No muro nasceu,
sem amor e
sem pólen.
[...]
Mas o vento a açoitava e ela,
ali presa, tão frágil,
resignada.
Ao perder o brilho, e
já cansada, percebeu que
até o vento invejava.”
O mais interessante é pensar, como diz Maria do Carmo Dutra, na mensagem deixada à autora nas orelhas do livro, que os textos de Margarita “entremeados de passagens alegres, românticas, constrangedoras, tristes ou irônicas, estruturam um diálogo multiplicador de vozes, algumas saudosas, outras fugidias, mas sempre vozes de vida”.
A vida acontece nas ruas de Curitiba. Há sonhos, há lutas, há desigualdades, há o calor que sentimos na alegria de encontrar amigos, há viradas de tempo – o amanhecer quente, ensolarado, e o anoitecer gelado. “Que virada, né? Ainda bem que eu trouxe um casaquinho”.
A vida acontece nas praças, nos bairros, nas ruas da cidade.
A vida acontece dentro daqueles que vivem mesmo “sem saudade, sem dinheiro, sem saúde, sem alegria”.
Afinal, “o tempo há de passar e, com ele, a tristeza e a decepção. Só restará a lembrança da falta de saúde, da falta de dinheiro”. Só restará a memória e a brisa abafada que fica depois de uma longa chuva de verão.
Livro
Visões de Curitiba, Margarita Wasserman. Edição do autor, 2009. 124 p.
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