Estéril turbilhão
A vida podia ser um verso.
Não é. É o reverso: prosa rasa
onde raramente pinta uma pepita.
A vida podia ser um verbo:
ser, estar, haver. Não é.
A vida, substantivo abstrato,
é concreta. Pedra de toque? Pedra angular? Não, pedra bruta.
A vida, diabos, podia ser tanto: espanto, encanto, quebranto.
Um sonho? Teatro? Paraíso?
Nada disso: um soco
na cara. No saco. No útero. A vida
é um saco, um susto, um suco gástrico.
Não um verso. Pois é,
a vida podia ser um verso,
ainda que branco, sem metro (sem medo).
Não é. A vida é isso que é,
isso que temos pra hoje:
prosa rasa, prosa chocha, prosa escrota
mas que oculta em meio a suas frases
diamantes, esmeraldas e um rubi.
Sim, um rubi, que Bilac, pra não perder a rima,
grafou “rubim” e engastou num poema chato pra cachorro
que graças a Deus não é a vida.
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Amarugem
Tal um conhaque
na manhã de névoa,
bebo meus versos.
Sei que a rua não vai dar em lugar algum
e que a saída do labirinto se chama nada.
Mas com um verso aqui, outro acolá,
vai-se dando um jeito.
E enquanto o Minotauro não dá as caras,
vai valendo o jogo.
(Por vias das dúvidas
carrego o óbolo
com que subornar Caronte.)
A vida é um livro aberto:
mas de versos
livres, com poucas, raras rimas
e muito espaço em branco
onde eu posso garatujar
teu rosto
e o desgosto de tudo ser tão breve
quanto um trago.
Tal um conhaque
ingiro meus versos
na manhã que se estende cinza
sobre a cidade.
É amarga, muito amarga
esta minha poesia.
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Ponto final
Ninguém viu, ninguém, soube: mas sob a ponte o poeta escreveu ontem o seu último verso.
Ninguém viu, ninguém soube: com cacos, com latas, com lástimas – mas sem lágrimas – o poeta concluiu ontem sua obra.
Se ode ou epopeia ninguém sabe.
Só se sabe que é rubro o ponto final.
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