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Foto do escritorRevista Trajanos

Naraka, de Homero Gomes

Por João Simino



Entre tantos livros, há os que se destacam na retratação da experiência tátil, os que se refugiam em abstrações da realidade e aqueles que se assentam no entrelugar. Naraka, de Homero Gomes, é um desses últimos, seja por seu formato intimista, seja por seu tema de difícil trato.

Naraka é um livro de poemas que voltam os olhos para a miséria humana e narram em suas vozes (personagens) a história de, entre outros, Pedro. Leia-se Pedro como um homem sem nome ou identidade, porque a partir da retração da falta é que Homero Gomes arranca seu trabalho para o entrelugar: onde o imaterial se objetifica e o objeto torna-se abjeto.

Um livro de bile – a mesma bile do spleen moderno – e de uma incessante quebra de idealizações, porque quando o sentimento humano encontra seus pontos de fuga no texto, Homero novamente retorce os panos da desilusão, sem abrir, contudo, mão do lirismo.


32

Do lixo ao lixo

colecionando mariposas em seus cabelos

cantando

abraços voláteis


visões dos olhos

doença do corpo fraco e sem fome

gritos afogados em litros de fogo


Arrasta os sapatos rotos pelo cimento quente que humilha

feito a augusta presença de um deus sem templo nem glória


De um lírio no lixo

(p. 66)


Entendo que a abordagem quase épica de Naraka convém com a temática trágica da miséria, porque além de ser trágica ela é também multifacetada. Optar por estruturar o livro dessa forma é perspicaz para quem busca, em meio à crueza real e à sublimação lírica, o entrelugar da privação/provação.

Com poemas em sua maioria de versos livres e extensos, em alguns momentos o livro pede um pouco mais de atenção de quem o lê. Nada que nos permita chamá-lo de hermético, mas é nesses detalhes que mora o diabo (o diabo desse inferno chamado Naraka). Então se você é um leitor de olhos rápidos, fica o aviso: é necessário ter paciência.

Mas entendo também a pressa, porque o caminho é tortuoso, considerando que Naraka é cercado de insalubridades e entrega em suas cenas “o cheiro acumulado das latrinas”. Por vezes, suas personas parecem se fundir a esse ambiente e nesse movimento chegam mesmo a objetificar seus dramas, como lemos na sequência.


ajoelho

como ser marcado

deixando de ser homem ou animal sendo coisa que nunca foi coisa

coisa que ajoelha

(p. 73)


Sou aquele que cai diante da sombra

macia

sem esperar espanto nem resposta

(p. 74)


Sou uma ilha sem mar

sem palavras

solo infecto que adormece

(p. 75)


Longe de afastar, a leitura desses dramas, essa coisificação provoca no leitor a reflexão existencial desse lugar: por que, afinal, sujeito e ambiente se misturam? Essa foi minha reação ao longo da leitura.

Senti que a reflexão social e a abordagem dadas, da forma que foram feitas por Homero Gomes, dão esqueleto e corpo para um Naraka bem estruturado e preciso, mas senti também, em poucos momentos, poemas cuja lírica, encorpada de signos e metáforas, poderia ser mais bem aparada de complexidade (em outras palavras, mais branda).

Dentro da produção atual curitibana, Homero Gomes escreve um livro diferenciado e, por isso, de leitura indispensável. Naraka foi publicado em 2017 pela Editora Patuá. É uma edição de tamanho 16x23cm, 116 p. e conta com prefácio de Paulo Venturelli.


Livro



Naraka, Homero Gomes, 1. ed., Editora Patuá, 2017. 116 p.

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