Por Bárbara Martins
larga o que não é mais teu
não te prende a uma só face
uma flor no chão só nasce
onde outra já morreu.
(Primavera – Layla Gabriel)
Esses dias, com frio lazarento de começo de inverno de Curitiba, estava lendo os poemas de Layla Gabriel. Comprei o livro pela capa, confesso. Não conhecia a poeta e seus poemas. O livro “O que há por trás da porta” é de estreia, publicado em 2020, pela editora curitibana Kotter Editorial. A poeta é nova na cena, mas em seus versos vejo que sua poesia não nasceu ontem.
Comecei a minha leitura com a ideia de que encontraria uma resposta para a sentença que dá título ao livro, até que percebi que “o há por trás da porta” talvez nem seja uma pergunta, tão logo, por que precisaria de uma resposta?
Bem, os versos trazem as inquietações de ser, de existir. Encontro não uma unidade temática, mas várias: das pequenas grandes mortes da inocência, das aceitações de que somos passageiros, da (não)busca pela parte que nos falta, da esperança “apesar de”, das portas que se fecham, das frestas das janelas que ainda resistem abertas e do amor que aflora na pele, dos desejos de se libertar de amarras, gritar e queimar...
Com sutileza e mãos enluvadas de seda os poemas nos enlevam com força avisando que ser nem sempre é simples, mas também é mais simples do que parece. Em seus versos fui e voltei, voltei mais um pouco e segui novamente, olhei para as paredes em poemas, e entendi que todas as coisas têm um fim.
olha, a lâmpada,
a casa, o gato e as flores
da tua árvore de lúpulo:
tudo tem fim
as crianças crescem, eu e você,
findados e esquecidos, apagados
também com a luz dos teus olhos nos meus”
A poesia de Layla não é somente sobre fins, é também aviso urgente de viver o que se é agora. Se as portas estiverem fechadas “levanta, abre a janela” pois “agora já é manhã”. Também é sobre ser urgentemente coração: “Contrair”, “expandir”, “pulsar” e “não parar”.
Os poemas estão agrupados em três partes. Na primeira, encontro versos que ardem na vontade de gritar, de queimar, de se libertar do silêncio. Aqui as crianças perdem sua inocência, “elas pulam dos precipícios”, o coração de criança cresce, mas fica menor. O silêncio é imposto desde criança até nas brincadeiras de escola “Quando eu era pequena, minha professora do jardim de infância propunha um jogo: ‘silêncio’, para manter a sala em ordem”.
Mas para quebrar a ordem é preciso atravessar um longo caminho de inquietações, perguntas sem respostas e de vontades. São assim os poemas da segunda parte. Aqui as vozes têm uma vontade de encontrar “as respostas por debaixo da carne”. Também contemplam o que há de mais bonito no comum. E rasgam as gargantas na tentativa de vazar poemas.
Na terceira, encontro versos sobre fim, mas também a recusa do fim, se a vida é longa “ainda tem tempo de pagar as promessas, de descosturar as certezas, uma a uma...”. Aqui o tempo é agora: “larga o que não é mais teu, não te prende a uma só face”, avisa o poema, pois “uma flor no chão só nasce onde outra já morreu”.
E por esse caminho me encantei com os poemas muito mais do que esperava. Cada vez que os leio descubro novas portas para olhar, nem que seja só pela fechadura. Ao final da leitura, a vontade que fica é de ler mais poemas de Layla Gabriel.
O que há por trás da porta. Layla Gabriel de Oliveira.
Kotter, 2020. 118p.
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