Por Clara Bordinião
peito aberto até a garganta veio o céu na anestesia as navalhas que te perfuram não se sente
(Mariana Marino, “ii. antes do túnel”)
Cursar Letras na UTFPR por 7 anos fez com que eu conhecesse muitas pessoas, do mesmo curso e de outros cursos. Mas um dos melhores presentes foi conhecer várias poetas e vários poetas ao longo desse tempo. Umas das primeiras poetas que conheci logo em 2013 foi Mariana Marino, entre leituras de uma peça de teatro e as correrias do palco divido por três vezes em três peças ao longo desses meus sete anos de graduação em Letras.
Hoje é um prazer imenso poder escrever sobre o seu livro de estreia, Peito aberto até a garganta, lançado pela editora Urutau em 2020. Além de minha amiga, colega de palco e profissão, Mariana Marino é doutoranda em Estudos Literários na Universidade Federal do Paraná, sua pesquisa está centrada nas possibilidades de aproximação da poesia e a abordagem teórica Ecocrítica e tem interesse em explorar as temáticas da natureza na literatura de mulheres latino-americanas e portuguesas, como por exemplo Sophia de Mello Breyner Andersen, a quem Mariana dedica um de seus poemas. A poeta faz parte da grupa crítica-afetiva de escritores e escritoras, Membrana Literária, assim como Francisco Mallmann já contemplado nessa coluna da Revista Trajanos.
Peito aberto até a garganta é um livro que segue o ritmo de seu título, junto com a poeta conseguimos sentir o corte, seja na mesa de cirurgia ou nos cortes que a vida nos emprega como a morte, os términos e as mudanças, e sentimos junto com Mariana a recuperação do corte, das cicatrizes e abraçar a vida como a poeta faz nessas três partes de Peito aberto até a garganta. Na primeira parte do livro de Marino conhecemos “Os princípios da cicatriz”, nele a poeta retoma os primeiros experimentos da escrita e os registros da memória-escrita e inicia sua própria memória-corpo quando em “vi. antes do em seguida”, sexto poema do livro, Mariana transforma um laudo médico em um belo poema, um dos poemas mais bonitos de seu livro.
Na segunda parte, intitulada “Com sangue de Sêmele”, a poeta nos traz outras memórias, memórias do corpo-feminino. Já com o título da segunda parte, Mariana recorda a deusa grega Sêmele que é mãe de Dionísio, e nessas memórias do corpo feminino a poeta faz um resgate da ancestralidade com um poema prosa que se assemelha a confissão religiosa, que abre espaço para memórias da genealogia da poesia e da poeta, memórias com o outro e memórias com as paixões e o corpo. Em um movimento que mistura o lirismo e o fechamento cirúrgico de poemas como o “III.”, que fala das mulheres de sua família e sobre os cabelos morenos de genealogia das mulheres da vida de Mariana Marino.
Na terceira parte do livro, “Etimologia dos nomes próprios”, percebemos a rede de pessoas que acompanham a poeta, que espanta para longe a ideia decadente de que o poeta é um ser solitário, recluso na torre de marfim. Não na poesia de Mariana Marino, pelo contrário, aqui a poeta anda acompanhada, tem sua grupa e seus poemas coletivos. Aqui, a poeta esbanja sua leveza ao falar de Gama, Sophia, Julia, Tassia, Jeferson, Nuno, Cibele e tantos outros não nomeados, mas ali descritos com a leveza e o lirismo de Mariana Marino.
É claro que eu poderia continuar aqui tecendo mil e um elogios à poesia de Mariana, mas deixo aqui o desejo de uma amiga e colega de todas as letras: quero mais poemas de Mariana Marino!
Livro
Peito aberto até a garganta. Mariana Marino.
Urutau, 2020. 70 p.
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