(Alerta de gatilho: O texto a seguir contém cenas explícitas de violência sexual)
***
O silêncio
era uma tarde de julho. férias escolares. nós, as crianças, estávamos brincando pelo prédio. tinha por volta dos meus dez, onze anos, não me lembro bem. mas a situação em si me lembro até hoje. a cena me vem à mente todas as noites quando me deito no escuro do quarto. os detalhes e todos os sentimentos que se acumularam durante toda a minha vida. a vergonha que sentia quando ouvia piadas homofóbicas perto de mim no colégio ou quando na tv da sala passava alguma notícia referente a isso.
esconde-esconde. corri pra me esconder na escada do bloco C. alguém abriu a porta antes de eu chegar até ela. ficamos frente a frente. ele me fez um gesto com a cabeça pra entrar. pediu silêncio com o indicar frente aos lábios e subimos um lance de escadas. ele segurava em minha mão. com a outra mão ele abriu o zíper da calça e colocou o pau pra fora. estava duro. colocou minha mão nele. ia me falando pra fazer coisas e eu ia fazendo.
– aperta. bate. não, assim não.
não sabia o que estava fazendo. não sabia o que significava aquilo. ele só disse o que eu tinha que fazer e eu fiz. não chorei. apenas fiz.
– coloca ele na boca.
coloquei e ele segurou em meus cabelos. sabia que algo estava errado e sentia vergonha. fiz o que tinha que fazer pra que aquilo terminasse logo. mas parece que está durando minha vida inteira. o cara começou a ter contrações e seu pau espirrou uma gosma branca em minha boca.
– engole.
engoli, mesmo com vontade de vomitar. ele fechou a calça e limpou minha boca com a barra da camiseta.
– olha, garotinho. esse é nosso segredinho hein. agora vai lá brincar com seus amiguinhos.
disse isso olhando nos meus olhos. ele tinha olhos castanhos escuros. era jovem. por volta da minha idade hoje. uns vinte e três anos. tive que conviver com ele pelo prédio até meus dezessete quando meu pai foi transferido pra outra cidade. algumas vezes me trazia sorvete quando me via pelo prédio. nunca mais aconteceu nada. guardei isso comigo até hoje. é a primeira vez que conto pra alguém.
---
SOBRE O AUTOR
Vitor Miranda
(Foto por César Spadella)
Vitor Miranda é poeta, fotógrafo e escritor. Nasceu e vive em São Paulo. Dirigiu fotografias de curta-metragens e do longa Scam Republic, produzido na República dos Camarões.
Expôs um trabalho fotográfico sobre o cotidiano da cidade de Yaoundé, capital do Camarões, no MIS-Santos e participou de diversas antologias nacionais e internacionais como fotógrafo.
Autor de quatro livros publicados entre os gêneros poesia, contos e romance. Como poeta é fundador da Banda da Portaria onde escreve letras e declama poemas. É também letrista do Margaridáridas.
Comments