Estendo a camisa ao sol
A etiqueta me diz:
100% Algodão
O professor faz a chamada
O silêncio lhe diz:
38% Ausentes.
Nos anos 60, quando a colheita do algodão começava:
Catarina, Lúcio, Samuel, Tereza, Francisco, Gabriel, Laura, Rodrigo, Gonçalo, Hélio, Fernando, Solange, Beatriz e Danilo nas primeiras horas da manhã se espreguiçavam e seguiam com os pais para a lavoura. O trabalho iniciava mais tarde que a aula, cedinho, o algodão ainda se achava orvalhado.
No bornal eu levava o bolo de laranja que dividiria,
mas a Laura, com sol, vai para a colheita e,
pela estrada não caminha em dias de chuva e pós-chuva.
Vem pr'aula! Dobra a barra do uniforme escolar,
mas a estrada barreada afunda o conga da Laura,
ela sofre com isso, o professor calcula a presença, sente a ausência.
A aula era o momento para acrescentar ensinamento em nossas cabeças,
38% estavam com a cabeça ao sol e nas mãos, não o lápis, os capulhos.
Depois da chuva, pelo barro, 27% estavam com os pés impedidos de avançarem.
Pouco vejo a Laura,
não ganho dela o amendoim drageado
nem lhe dou o bolo de laranja que azeda no meu bornal.
Copio a lição da lousa, letra caprichada pra ela pedir meu caderno emprestado.
Vou dormir sonhando com uma estrada drageada
e a Laura dançando querendo alcançar as nuvens de algodão.
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A R C O
Atravesso o arco O ângulo da porta me impede a saída Fotos dispersas num canto desalinhado.
Sigo o canto Levo comigo o quadro da parede Esbarrei no pequeno ângulo Não caibo. Apoio o quadro no vento, danço na parede sobressai o canto mais triste, Fotos dispersas num arco desalinhado.
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FINITUDE PELO ÓDIO
Calçadas suportam corpos mortos Caídos pela força da desordem Calados no auge da vida Fibra cortada A dor vem e acomete mesmo a pedra Brutalidade sentida pela matéria fria. Mães a qualquer hora suspiram padecem, suportam o desamparo Pensam perdidos seus elos, seus momentos de calor, de emoção sem entenderem o porquê o natural traz incômodo e brutalidade. Era a vida um soar de Bravo! Alegrias compartilhadas, vividas ao natural, mas foi breve
Finitude pelo ódio.
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SOBRE A AUTORA
Cecília Garcia
O primeiro poema que li foi na escola, no livro de Português, Porquinho da Índia de Manuel Bandeira, fiquei sensibilizada e entusiasmada por essa forma de escrita. Na época da graduação lia poemas e via peças do FENATA na UEPG, onde cursei Farmácia. Sou Servidora Estadual SUS. Gosto de escrita criativa, de ouvir, de ler em conjunto, de árvores, suas sombras e cores.
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