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  • Foto do escritorRevista Trajanos

Óculos e fita, rio Rita, por Gabriele Rosa



[óculos]

aprecio o cheiro da chuva quando me toca os dedos. poça, passagem, açude. desfocada em cubos de cansaço, corpo estridente. trincada, convoco o medo. os dias se repetem. portas chaveadas, janelas com proteção. enxergo melhor com os olhos fechados. poros famintos desejam armações diversas. peles, prismas, pelos. coleciono flores secas e dissolvo livros em palavras soltas e não sei mais sonhar colorido. lacrimejo futuros, pisco passados. cristalino, pupila, córnea. embaço teus joelhos com olhares clandestinos. como apalpar reflexo? lentes capturam sorrisos indefesos: barba brincando na sola dos meus pés e língua dançando entre os lábios e tua voz labiríntica. escrevo caminhos nas palmas das mãos. risco na retina minha carne viva.



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[fita, rio, Rita]

não sou antropóloga. abraço cheio, riso largo. escandalosa. escorro ondas gigantes. teria usado meias pretas se você soubesse nadar. Giulia, Isadora, Giovanna. quantas mulheres habitam suas coxas? a língua é um lugar de memória. flores abertas. acesas, derretemos. peito, borboleta, costas. bocas dormentes salivam manhãs silenciosas. você é incapaz de sustentar um olhar e minhas pupilas invadem suas vísceras mal dormidas. costelas beijam mamilos eriçados. virada do avesso, tremulo com seus dedos frágeis. rendas rasgadas nos caninos. de quatro, predada pelo seu corpo pequeno e caudaloso e macio. poça de gemidos, vulvas em ponto reto. na objetiva, tesouras intensas. sucção. desnudas de mapas, gozadas. mãos mágicas escondem abismos. costuro afeto, penduro rede no escuro. mergulho fatal. encoxadas, quadris dançam desinibidos. choro, chovo, grito. inundo seu leito com temporal. silêncio, rito. rezo baixinho, bebo suas águas imensas.



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SOBRE A AUTORA


Gabriele Rosa é historiadora, poeta, artesã da palavra e da cena. Atua como dramaturgista e dramaturga de processo na Bonecas Quebradas Teatro. Graduada em História pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, integra o coletivo CuidadoPoema. Autora de Lavínia é mais Rosa que Espinho (Libertinagem, 2021, no prelo) e Fendas extraordinárias (Patuá, 2019). Tem contos e prosas curtas publicados em diversas revistas literárias.

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